segunda-feira, 26 de julho de 2021

Seria Bolsonaro um ‘arromântico’?

 Por Joaquim Ferreira dos Santos*

Jair Bolsonaro

Chegou a vez do negacionismo amoroso, o tempo em que as pessoas se anunciam sem paixão, desinteressadas da exacerbação sentimental. Não se envolvem. São os arromânticos, ativistas da denúncia de que uma flor roxa nasce no coração dos trouxas.

Eles se dizem assintomáticos ao maravilhamento romântico. Não sofrem, não põem fogo às vestes, não choram quando veem “Ghost” e morrem de rir de clichês como “paixão desenfreada”. Diante do outro o arrepio não vem à pele, o corpo não desfalece, as borboletas não se mexem no estômago. Atração romântica zero. Ninguém se ama, ninguém se quer, ninguém se declara com versos de Baudelaire.

Pode esquecer o jantar à luz de velas, o coração tatuado no braço e o compartilhamento da playlist com as músicas de motel do Roberto e do Erasmo. Bocas que murmuram palavras de amor enquanto se procuram. Tudo isso ficou sob suspeita, “Alô Doçura” demais.

Os arromânticos acham que romantismo é só uma maneira de vender buquê de flores no Dia dos Namorados. Coisa de publicitário. São a versão 2.0 daqueles que no passado eram amaldiçoados por parecerem sem sangue nas veias e sem coração. Eles superaram o preconceito e pedem respeito à sua maneira de achar que o amor não é essa coisa toda. Supervalorizado. Se toda maneira de amor vale a pena, que tal não amar?

A fórmula do amor muda muito. Nem Romeu e Julieta nem as ondas selvagens de Yasmim Brunnet e Gabriel Medina parecem razoáveis. É possível casar, copular, mas sem ênfase no cunho apaixonado. Sem arroz no véu da noiva. Eles não vão à loucura, não sobem pelas paredes, muito menos cortam os pulsos. É o fim do Boletim de Ocorrência onde estava escrito “crime passional”.  

Entre os mais próximos são conhecidos como “aros”, mas sem permitir que essa intimidade acenda a luz do abajur lilás e daí possa rolar um clima de tapas e beijos. Aquele filme do Woody Allen, “Todos dizem eu te amo”, estava errado.  Mentiras sinceras não interessam, amor com amor não se paga.

A nova tribo não reconhece o amor romântico como o supremo ideal da existência. Despreza essa medalha de ouro inventada pelo cinema americano, como se a vida fosse uma maratona de traição e dormir de conchinha, um revezamento de pé na bunda e olhos nos olhos. O garçom fica dispensado de ouvir as angústias da cornitude alheia.

Chega ao fim a civilização do bolero, das juras de amor eterno, das cartas anônimas e do cinema inteiro chorando quando Alice McGraw vira para Ryan O’Neal e diz “amar é nunca ter que pedir perdão”.

Ser aro é não dar match, mas nem por isso procurar desesperado pelo analista, o vidro de barbitúricos ou a cumplicidade de algum disco triste de Nana Caymmi. É ter outros critérios. Gostam do parceiro, consideram o próximo, mas sem pieguismo, sem carro de som para gritar o recado fofo no condomínio. Amar é cringe, o amor é o ridículo da vida – e como prova eis a foto do casal, dois pombinhos enlevados, no cabeçalho da rede social.

Procura-se, enfim, uma nova forma de relacionamento. A depender dos aros, os oftalmologistas podem quedar tranquilos porque ninguém ficará cego de paixão. Não existe amor em SP, no RJ e muito menos no Distrito Federal – embora, evidentemente, Bolsonaro não seja arromântico. Nada a ver. Bolsonaro é outra coisa.

 * Jornalista. Escritor.

Fonte: https://blogs.oglobo.globo.com/joaquim-ferreira-dos-santos/post/seria-bolsonaro-um-arromantico.html 25/07/2021

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