Sessenta da morte de Hemingway
Ele nasceu em 21 de julho de 1899, nos Estados Unidos, e matou-se, em Cuba, em 2 de julho de 1961, há 60 anos. No intervalo entre essas duas datas escreveu obras-primas: “O Sol também se levanta” (1926), “O adeus às armas”(1929), “Por quem os sinos dobram” (1940), “Do outro lado do rio, entre as árvores” (1950), um dos meus prediletos e “O velho e o mar” (1952). E outros textos menos cotados. Por essas façanhas, recebeu o Nobel da literatura, em 1954. Fez tudo o que os modernos não recomendam: escreveu “O sol também se levanta” em dois meses. Praticava a frase curta, límpida, sem arroubos. Contava grandes histórias. Os melhores escritores, como Ernest Hemingway, Borges, Machado de Assis, Flaubert, Balzac e Stendhal nunca se permitiram recorrer a barroquismos e neologismos. Outros tempos.
Hemingway matou-se por sofrer de vários males, entre os quais a depressão e o que hoje seria chamado de prenúncios do Alzheimer. Havia feito muito e não sabia como continuar sem a potência de todos os seus meios. Escrevia assim: “Seguimos a estrada ao longo da costa. Era o verde dos promontórios, as vilas brancas de telhados vermelhos, as manchas das florestas, o oceano muito azul, com a maré baixa e a água a encrespar-se ao longe, na praia. Atravessamos Saint-Jean-de-Luz e passamos por outras aldeias, muito além na costa. Atrás da região ondulada que percorríamos, avistávamos as montanhas que havíamos passado, voltando de Pamplona. A estrada continuava. Bill olhou o relógio. Era tempo de voltar. Bateu no vidro e disse ao chofer que desse meia volta. Ele deu marcha à ré, em meio às ervas. Atrás de nós havia matas, abaixo uma nesga de prado e depois o mar”. Maravilhoso.
Os fluxos de consciência consagraram Virginia Woolf. Os neologismos deram fama a James Joyce. O barroco fez Alejo Carpentier. Todos as repetições fracassam, mesmo quando são premiadas. Um estilo como o de Hemingway pode ser repetido para sempre desde que alguém consiga dar vida a essa aparente simplicidade. Para isso são requeridas três singelas condições: ter uma história consistente para contar, saber dar ritmo às frases e impor à narrativa algo absolutamente objetivo: alma. Qualquer um pode tentar. Raros chegarão perto. Não se pode mais escrever assim? Possivelmente não. Os poucos leitores que restam foram convencidos de que é preciso “adensar” o texto, ou seja, torná-lo incompreensível. A armadilha é a superficialidade. Hemingway escrevia para ser lido por todos. E era.
Quem quiser me convencer da qualidade de um estilo, por favor, escreva algo assim: “Recostei-me no fundo do carro e Brett se aproximou de mim. Estávamos bem juntos um do outro. Rodeei-a com o braço e ela se recostou a mim, comodamente. O ar era ardente e luminoso e as casas de um branco cru. Estávamos na Gran Via”. Se Paris foi uma festa na sua vida, a literatura foi a sua religião. Viveu intensamente. Deixou nos seus melhores personagens a marca da intensidade. Poucos pintaram como eles a realidade com tanto frescor.
Fonte: https://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/o-velho-e-as-letras-1.650477 06/07/2021
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