quinta-feira, 1 de março de 2012

O menino e a bola

Ruy Carlos Ostermann*
Foi o tio que espichou a rede, deu a volta por cima e fez descer para trás num chumaço de corda e laços. As duas traves tinham sido cerradas de manhã, um metro e meio cada uma, o travessão foi posto por cima encaixado na espera. Madeira boa formava uma goleira digna, ajeitada, do tamanho que se podia colocar no pátio acanhado da casa.
A pequena área foi marcada com um tubo de cal, a grande área era de se presumir que fosse bem mais adiante, bem perto de onde terminava o campo de jogo. Seria apenas para isso, para chutar numa goleira pequena, mas o rebuliço pela cozinha e pela sala indicava uma conquista festejada pelo tio e pelo menino.
Estava fardado de alto a baixo: camiseta com distintivo do colégio, número 10 às costas, manga curta, gola redonda, calção comprido sem bolsos – e por baixo, a primeira sunga de homem, cerimônia discreta no quarto antes de sair – meias pretas de lã, chuteiras amarelas, fechadas por cima com cadarço curto, travas de borracha.
Estava quase pronto, faltava a bola, que veio debaixo do braço do tio, colorida, número cinco, quase toda amarela e branca. A marca do pênalti ficava a um passo, o tio foi ser goleiro, não haviam mais testemunhas.
Fez-se silêncio, tio e sobrinho estavam imobilizados, olhando a bola, sentindo a respiração. E então anunciou-se o primeiro chute daquele refúgio.
– Vamos lá! – gritou o tio e abriu os braços agachando-se um pouco.
O menino continuava imóvel. Então deu dois passos para trás. Olhou melhor a bola e o tio logo à frente dela, avançou os dois passos, levantou o pé direito, e deu um grito:
– Neymar!
Chutou com a parte externa do pé, a bola começou a girar, era suave e fazia uma curva até bater na trave e parar. O tio estava estendido no chão, feliz, foi abraçar o sobrinho que também sorria. E assim ficaram um bom tempo, abraçados, a bola imóvel longe deles.
Trata-se da cultura do futebol.
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* Escritor. Cronista.
Imagem da Internet

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