JOAQUIM ZAILTON BUENO MOTTA
A bonita esposa nem percebia o real motivo daquele comportamento, mas vivia se escondendo em um aposento dos fundos, evitando os cômodos bem decorados da sua elegante casa. Na planta original, seria dependência para uma funcionária doméstica, mas agora ela o transformara em um quarto de costura, ali permanecendo por várias horas, todos os dias.
Quando o casal recebia parentes ou visitas, ela servia um café e logo se retirava, anunciando que agora era dona-de-casa e tinha que “cuidar dos cortes”. O marido notou a tendência e, inicialmente, provocou-a com brincadeiras, dizendo nunca ter imaginado casar-se com uma costureira... Depois, começou a se preocupar, pois ela tinha escolaridade de pós-graduada e nunca antes prezara essas funções. Ele insistiu em que ela procurasse ajuda.
Na terapia, a moça disse que conhecera o marido na empresa onde trabalhou até o casamento, que ele era um dos sócios e que ela havia se casado por interesse. E ainda expressava que o único lugar daquela casa que lhe cabia era o “quarto de empregada”.
Ao longo do decurso psicoterapêutico, ela conseguiu dimensionar a extrema idealização que fazia do amor. Na sua perspectiva, se amasse o marido, não poderia se entusiasmar por nenhuma sofisticação ou luxo que ele proporcionasse.
Um livro publicado recentemente nos EUA, The Secret Currency of Love (A Moeda Secreta do Amor), compilado pela jornalista e escritora Hilary Black, realça o confronto entre amor e dinheiro, mostrando a dificuldade dos pares (especialmente das mulheres) conversarem sobre a vida financeira.
Idealizar o afeto pode prejudicá-lo significativamente. Imaginando amar de modo imperfeito (o que é normal e óbvio para nós, seres humanos), a pessoa pode desistir de uma relação que contém o mínimo afetivo necessário para se viabilizar. E o pior: jamais conseguirá aprimorar esse nível.
Os interesses materiais embutidos nos vínculos são os referenciais que determinam as falhas afetivas, dentro dos paradigmas da cultura ocidental baseados na moral judaico-cristã e inspirados na moção romântica.
Oscar Wilde, dramaturgo, escritor e poeta irlandês, expoente da literatura inglesa durante o período vitoriano, enfrentou a intolerância e o puritanismo da época. Uma de suas mais interessantes sentenças ilustra bem o maniqueísmo dos indivíduos que oscilam entre o dinheiro e o sentimento: “De um lado, os cínicos, que conhecem o preço de tudo, mas não sabem o valor de nada; de outro, os sentimentais, que vislumbram um valor incomensurável em tudo, mas não sabem o preço de nada”.
As idealizações do amor apontado como perfeito à medida que seja isento de interesse material são focos de muitas novelas em que os protagonistas abrem mão de riqueza financeira, cargos, cetros. Quase sempre, porém, o final feliz inclui a reconquista do trono, uma herança inesperada, induzindo à conclusão de que esses ideais estarão contemplados exatamente pelo que devem desvalorizar...
Os enredos da realidade também se sujeitam a esses estigmas. Nos eventos do GEA (Grupo de Estudos sobre o Amor) — interaja no site www.blove.med.br —, solicitamos uma colaboração voluntária para ajudar nas despesas. Esse pedido já foi criticado como antagonismo ao afeto!
O ex-reitor da Unicamp, José A. Pinotti, em artigo recente no Correio, comenta: “Talvez a síntese — como diria Hegel na sua teoria dialética historicista da tese antítese e síntese — é o que deveria acontecer agora, ou seja, aproveitar a crise para sairmos dela com algo diferente: mais valor ao trabalho e ao conteúdo das pessoas menos ao capital; educação e saúde como direito e não como mercadoria; vida digna a todos, mais cidadania e menos ditadura apócrifa do capital.”.
O amor se aperfeiçoa à medida que reconhecemos nossa capacidade limitada e imperfeita de amar.
*Joaquim Zailton Bueno Motta é médico psicoterapeuta e sexólogo.
http://www.cpopular.com.br/mostra_noticia.asp?noticia=1619060&area=2190&authent=7E743BBFEEFBB246E6032DD6698AD4
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