Michael Hardt
Entrevista
Autor de ‘Império’
diz que encontro de presidentes
durante Fórum Social
aponta integração regional que
poderia servir como contrapeso
ao domínio americano
e europeu
Leda Rosa
SÃO PAULO
A possibilidade da formação de um bloco político com feições mais à esquerda, composto por Brasil, Venezuela, Equador, Bolívia e Paraguai foi um dos mais importantes ganhos da nona edição do Fórum Social Mundial (FSM), que reuniu cerca de 100 mil ativistas em Belém para discutir a Amazônia e a crise da economia mundial. Esta é a opinião do professor Michael Hardt, da Duke University (EUA), e fiel participante das edições anteriores do evento. Para ele, o autor de Império e Multidão – guerra e democracia na Era do Império, o FSM cumpriu seu papel de reunir os movimentos sociais. Sobre a crise da economia, Hardt diz, em entrevista exclusiva ao Jornal do Brasil, que a turbulência marca a morte do neoliberalismo e do unilateralismo americano.
Há seis anos, no Fórum Social de Porto Alegre, o senhor já reclamava que o evento deveria propor mais idéias. Quais seriam as três principais propostas deste Fórum Social?
Infelizmente, seis anos atrás, o jornalista me entendeu mal. O que eu disse é que o fórum não tem idéias e que ele não deverá ter idéias ou tomar decisões. Em vez disso, é um espaço para os movimentos sociais se unirem e encontrarem-se. Os movimentos sociais são os que devem propor idéias e tomar decisões. E eles têm muitas idéias – tantas, na verdade, que sou incapaz de eleger as três principais.
A crise sepulta o neoliberalismo ou se trata apenas de queda importante, mas passageira?
A crise atual marca a morte de gêmeos: o neoliberalismo e o unilateralismo dos EUA. Neoliberalismo e unilateralismo americano, evidentemente, não são a mesma coisa, mas formaram um par indissociável, no mínimo, durante a década passada. Depois de uma série de falhas (militarmente no Iraque e no Afeganistão, economicamente com os fracasso das políticas econômicas baseadas no Consenso de Washington em todo o mundo, e a incapacidade de obter consenso político de outros países), a crise marca a morte destes gêmeos. Os mortos, infelizmente, ainda devem continuar por aí durante alguns anos e ainda podem causar danos, mas já estão mortos.
E como o Império vai agir a partir de agora?
As mortes daqueles gêmeos determinam um período de reorganização interna das hierarquias do Império. Os Estados Unidos já não podem comandar os temas políticos e econômicos e o capital global. Devem procurar uma nova estratégia de gestão e controle.
Neste contexto, que papel caberia à América Latina?
A reunião dos cinco presidentes – Luis Inácio Lula da Silva (Brasil), Evo Morales (Bolívia), Hugo Chávez (Venezuela) e Rafael Correa (Equador) e Fernando Lugo (Paraguai) – em Belém representa um forte desenvolvimento de uma possível integração. Um bloco regional de governos esquerdistas na América Latina poderia ter o poder para reorganizar profundamente o sistema global e fornecer contrapeso para os Estados Unidos, Europa e os outros países dominantes.
Como vê o acirramento das medidas de caráter nacionalista, como a adoção de maior protecionismo no comércio mundial?
A atual crise econômica demonstra como todas as relações econômicas estão devidamente globalizadas e que os Estados, isolados, não fazem frente à turbulência. Os ministros da área econômica são obrigados a colaborarem entre si em suas estratégias para enfrentar a crise. A crise demonstra, mais do que nunca, como os processos de globalização são irreversíveis.
O senhor diz que os EUA não terão êxito em um projeto global unilateral. A diretriz de Obama, para que seus diplomatas primeiro ouçam os outros países, já reflete a nova postura?
A eleição de Obama é um reconhecimento de que o unilateralismo americano está morto. No que diz respeito à América Latina, ficou claro, pelo menos, desde as reuniões de Mar de Plata (sede da 4ª Cúpula das Américas, realizada em novembro de 2005, na qual os 34 países da região rejeitaram a proposta americana para estabelecimento da Área de Livre Comércio das Américas), que os EUA não podem ditar as linhas políticas e econômicas, como aconteceu no passado.
E como o presidente americano deve pautar as relações com a América Latina?
Obama está procurando uma nova forma de os EUA colaborarem com os países dominantes no mundo, invocando os modelos antigos (de presidentes como Franklin Roosevelt e John Kennedy). Ainda não está claro que tipo de papel o governo Obama vai implementar, mas é muito claro que os dias de unilateralismo chegaram ao fim.
Perfil
Michael Hardt
Nascido em 1960, Hardt é um teórico da área literária e política, e atualmente é professor da Duke University (EUA). Seu livro 'Império', escrito com o filósofo italiano Antonio Negri, é considerado o Manifesto Comunista do século 21.
http://ee.jb.com.br/reader/clipatexto.asp?pg=jornaldobrasil_117666/105859 03/02/2009
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