quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Por que não se cria mais hoje?

Rose Muraro*

Onde está o Beethoven do século 21? E o Freud? E o Marx? E o Picasso? E assim todos os campos do conhecimento e da arte humana? Confesso que não sei. Em termos menos ambiciosos, quem substituirá Chico Buarque, Caetano Veloso ou Tom Jobim, ou Guimarães Rosa, ou Carlos Drummond de Andrade? Idem.
Por uma estranha coincidência, até meados do século 20 ainda existiam artistas de peso mundial (Matisse, Picasso, Prokofief, Shostakovich, Fernando Pessoa, Clarice Lispector e outros), mas este século nos parece deserto. Na segunda metade do século 20, ainda havia grandes nomes na ciência como Richard Feynman, o idealizador da nanotecnologia, Illya Prigogine (Teoria da Complexidade) e uns poucos grandes físicos quânticos, porque os maiores (Niels Bohr, Max Planck, Werner Heisemberg, Erwin Schrödinger e outros bem como Einstein) morreram na primeira metade do século 20. O que pode explicar esse deserto de padronização de corações e mentes em que vivemos?
Muito simples. Civilização de consumo, internet e videogames. Em 1978 fui dar aulas na Suécia e vi as casas cheias de samambaias choronas. No ano seguinte, fui a Teresina e lá vi a mesma coisa. Há três décadas já estava instalada a civilização de consumo e o American Way of Life. Mais tarde vi que não eram só as samambaias choronas, mas as cabeças que estavam homogeneizadas. Para criar realmente, principalmente novos paradigmas nas culturas e nos saberes humanos, é preciso que estejamos sintonizados com o nosso ser mais profundo e, portanto, com a profundidade de nosso tempo. Isso só acontece quando não temos elementos externos que nos chamem continuamente para fora de nós mesmos desde o dia do nascimento.
Da segunda metade do século 20 em diante, estamos cercados de uma noosfera imbecil, niveladora por baixo, que faz que os grandes gênios que certamente existem não possam acontecer. Seja pela pobreza material, seja pela pobreza emocional e espiritual. Os grandes criadores sempre foram seres essencialmente solitários e em comunicação profunda com os próprios selves. O self, segundo Jung, é o centro vital de cada ser humano de que podemos nos aproximar sempre, mas não atingimos nunca porque ele vai se aprofundando cada vez mais.
Os grandes pensadores e os grandes criadores sempre souberam disso, mas só que hoje tudo nos impede de chegar à nossa profundidade. Rádio, televisão, videogames, a primazia do consumo sobre a qualidade de vida, tudo isso é ambiente nefasto para o caminhar da espécie humana que está nos fazendo chafurdar nesta realidade rasa e pantanosa, verdadeiro canto da sereia que nos chama para prazeres fáceis em detrimento dos êxtases mais profundos.
Acho quase impossível podermos sair dela. O dinheiro que nada cria, tudo determina, hoje mais do que nunca e de maneira macro e micro ao mesmo tempo. Desde a forma dos nossos edifícios e das nossas megalópoles até a maneira de falarmos. Por isso sinto-me estruturalmente desesperançada. Aí estão problemas a serem resolvidos de tal magnitude como a destruição da espécie pelo excesso de consumo, mas todas as mídias agem como um ópio sobre cada um de nós. É como se o nosso trem estivesse correndo a uma velocidade cada vez mais acelerada para o precipício e nós, que estamos dentro dele, estamos dançando alegremente ao som de sambas, funks, hip-hops, tomando as nossas cervejinhas e “ficando” com cada um ou uma que encontramos e que é perfeitamente descartável.
Aliás, todos somos descartáveis. Perdemos o valor único que nos distinguia dos outros seres humanos e distinguia cada ser humano de outro. Somos realmente massas manipuláveis por um grande irmão onisciente e onipresente que está pouco se importando conosco a não ser com a nossa capacidade de produzir e de consumir. O grande irmão não é ninguém, o grande irmão está em tudo. Por isso nem precisa ser. É uma bela moeda de dólar reluzente como uma bola de futebol muito acima de nossas cabeças. Mas, apesar de tudo, acho que, ao escrever este artigo, estou fazendo a minha parte. Se todos fizerem a sua, tudo poderá ser mudado. Com certeza!
*Rose Muraro, escritora. http://www.correiobraziliense.com.br/impresso/ 12/02/2209

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