segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

"Me recuso a culpar as novas gerações"

Julio Groppa Aquino*


Professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, em São Paulo, Julio Groppa Aquino, 45 anos, desde o ano passado se incumbe de uma pesquisa monumental com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq): compilar e analisar toda a produção acadêmica brasileira sobre disciplina escolar surgida desde os anos 80. Com dois livros já publicados sobre o assunto, o especialista se considera uma voz dissonante em relação ao coro de educadores que vê nos alunos a origem dos conflitos em sala de aula.
Para Aquino, é preciso abandonar os “jargões educacionais” a fim de compreender mais corretamente os fenômenos que afetam as escolas brasileiras há pelo menos duas décadas – e critica duramente quem considera as novas gerações um entrave ao ensino.
Confira um resumo da entrevista concedida a ZH ontem, por telefone:
Zero Hora – Professores, famílias e diretores reclamam da dificuldade em manter a disciplina em sala de aula. O que está acontecendo?
Julio Groppa Aquino – Em primeiro lugar, observa que há um conluio muito bem-sucedido. Se todos reclamam da mesma coisa, há um óbvio ululante e perigoso. É uma verdade sem contradição nenhuma, pela qual parece que o problema da escola são os alunos. É um equívoco histórico.
ZH – Não há um agravamento da indisciplina nos últimos anos?
Aquino – A crise disciplinar começa nos anos 80. Isso tem a ver com a entrada na escola de personagens que durante 500 anos ficaram longe dela. Com isso, há uma descaracterização das práticas escolares, que até hoje se ressentem com esses alunos pobres. É uma espécie de indigestão da democratização escolar que ainda não foi equacionada.
ZH – Mas existem problemas concretos na sala de aula, não?
Aquino – Sim, gerenciados pela mentalidade de quem se defronta com eles. Hoje, temos problemas que não são diferentes de problemas que havia nos anos 50, mas naquela época se podia bater, excluir. Agora, esses conflitos têm uma escala diferente, outra dimensão, justamente porque aumentou assombrosamente o número de matrículas. Mas há um clima de pânico que revela um desconforto em atender os alunos.
ZH – As queixas incluem as escolas particulares...
Aquino – Nas particulares, você recusa matrícula, o que é uma contravenção, segue a lógica elitista pré-democratização. Na rede pública, tenta se lidar com o problema transferindo o aluno, fazendo uma dança das cadeiras. Na verdade, o que ocorre em todas as escolas é uma espécie de desincumbência do problema.
ZH – Por que isso ocorre?
Aquino – Você quer que eu diga o que todo mundo diz? Que as novas gerações são influenciadas pela internet, pelas novas tecnologias, que são diferentes? Todo mundo diz isso. A educação brasileira está coalhada de jargões. Um deles é o de que as crianças não têm jeito. Isso é a mesma coisa que dizer que o jornalismo impresso está mal porque não há leitores. Uma das tarefas do jornalismo é justamente formar os leitores. Óbvio que existem problemas disciplinares, mas eles são retroalimentados pela gestão escolar.
ZH – Como resolvê-los?
Aquino – Precisam ser resolvidos criativamente. Eu não tenho uma fórmula pronta para isso. É como querer resolver um problema conjugal. O que eu posso fazer é discutir o princípio, o princípio democrático das escolas. Quando educadores, em quase sua totalidade, dizem que não estamos sabendo lidar com as crianças, isso não é estranho? Não podemos dizer que elas não têm jeito. Há um subtexto conspiratório contra a criança e a juventude de parte dos educadores e repetido pela mídia.
ZH – Quais as consequências?
Aquino – Dizem que precisamos excluir crianças, mandar para conselho tutelar, mandar para a polícia. Isso é a morte da educação. Todos dizem que educar virou uma missão impossível. Então, fecha a bodega. Há um ninho de preconceitos e jargões nessa discussão. Liga para uma psicopedagoga e ela vai te dizer: “a criança padece de falta de limites”. Não podemos acusar a criança pelo que não sabemos fazer. Nós somos os educadores, caramba.
ZH – É necessária uma mudança de mentalidade?
Aquino – Tem um bando de educadores dizendo que não consegue educar. É a mesma coisa que você me dizer que não dá para ser jornalista no mundo de hoje. A educação é o setor mais em frangalhos no país, mas todo mundo acha que já fez a sua parte. Esse estado de calamidade interpessoal nas escolas não tem nada de trágico, nós é que provocamos. A educação que temos é a que nós fizemos. A mudança de mentalidade só se faz com choque de ideias. Não vou compactuar com o discurso de que as novas gerações são doentes. Então vamos parar de ter filhos. Ou só o filho dos outros que é doente? Me recuso a culpar as novas gerações.
*Julio Groppa Aquino, especialista em psicologia escolar da Universidade de Sao Paul (USP)
http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2398403.xml&template=3898.dwt&edition=11676&section=1015 - 09/02/2009

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