Dionísio da Silva*
Uma boa notícia para este começo de 2009 é que ele e eles não podem falir. Aliás, tu também não podes falir. E digo mais: até eu não posso falir.
Quem garante é a norma culta da língua portuguesa. Falir veio do latim fallere, enganar, fracassar, naufragar. O mesmo étimo está presente no inglês, o latim do império: fail, sinônimo de break, quebrar, become insolvent, tornar-se insolvente, go bankrupt, ir à bancarrota. Na linguagem de advogados e economistas significa "suspender os pagamentos aos credores por impossibilidade de satisfazê-los e ter declarada judicialmente a falência".
Quem quiser falir no presente, pode fazê-lo também em italiano. O verbo é conjugado em todas as pessoas do presente do indicativo: io fallisco, tu fallisci, egli fallisce, noi falliamo, voi fallite, esse faliscono.
Somos um país feito por imigrantes, muitos dos quais vieram do país de Dante. Não será difícil falir em italiano, já que muitos oirundi faliram, faliriam, faliam e falirão, pois o verbo é conjugado em todos os tempos, modos e pessoas no italiano. O Acordo Ortográfico não vai mexer nesta questão. E o verbo falir continuará defectivo na primeira, na segunda e na terceira pessoas do singular. Na língua portuguesa, nós falimos e vós falis, todas as outras pessoas não podem falir. Pelo menos, no tempo presente do modo indicativo.
O presente do subjuntivo é ainda mais radical. Nenhuma das três pessoas do verbo, tanto do singular como do plural, poderá sequer desejar que venha a falir. Leitores, se alguma autoridade obrigá-los a falir, somente o fará de modo solene, na segunda pessoa do plural: "Fali vós". Mas alguma autoridade dirá isso?
Acho que não. As quebradeiras dispensam as solenidades, ainda que adorem os eufemismos. Lemos que houve descontinuidade no trabalho, não desemprego em massa. Mortes em Gaza? Não, é mais bonito dizer baixas, como se diz dos assassinatos em todas as guerras. Genocídio, vulgo acabar com a raça deles, nem pensar. Limpeza étnica, apesar de a expressão ser horrorosa, soa menos horripilante. Afinal, limpar veio de limpo, do latim limpidus, claro, transparente. O propósito é evitar o disfemismo, antônimo de eufemismo. Disfemia em grego é palavra de mau agouro, blasfêmia. Já eufemismo, do grego euphemismós, pelo francês euphémisme, hoje designa modo de dizer que doura a pílula das palavras para que ouvintes, espectadores e leitores engulam o que a mídia lhes enfia olhos adentro, goela abaixo.
Os políticos não usam mais a segunda pessoa do plural. Os tempos são outros. Getúlio Vargas ainda cultivou a solenidade da segunda pessoa do plural. Nos discursos e na carta com que fez seu testamento político, diz: "Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte". "Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta".
O jornalista Mylton Severiano, entrevistando o professor e sociólogo Francisco de Oliveira na revista Caros Amigos (Ano XII, número 142, janeiro de 2009) lembra a previsão de Graciliano Ramos: o comunismo não daria certo no Brasil porque o proletariado não sabia o que queria dizer uni-vos. Ouve em resposta que o movimento das ligas camponesas "nasceu para comprar caixão de defunto", pois "morria anjinho todo dia".
Os antigos romanos designavam proletarius aquele cuja única produção era a proles, prole, que só sabia fazer filhos. A mortalidade infantil e as proles já não são tão grandes, mas ainda estão ligadas a outras questões delicadas, que se não forem resolvidas levarão muitos à falência, palavra do mesmo étimo de falir e de falecer.
Quem garante é a norma culta da língua portuguesa. Falir veio do latim fallere, enganar, fracassar, naufragar. O mesmo étimo está presente no inglês, o latim do império: fail, sinônimo de break, quebrar, become insolvent, tornar-se insolvente, go bankrupt, ir à bancarrota. Na linguagem de advogados e economistas significa "suspender os pagamentos aos credores por impossibilidade de satisfazê-los e ter declarada judicialmente a falência".
Quem quiser falir no presente, pode fazê-lo também em italiano. O verbo é conjugado em todas as pessoas do presente do indicativo: io fallisco, tu fallisci, egli fallisce, noi falliamo, voi fallite, esse faliscono.
Somos um país feito por imigrantes, muitos dos quais vieram do país de Dante. Não será difícil falir em italiano, já que muitos oirundi faliram, faliriam, faliam e falirão, pois o verbo é conjugado em todos os tempos, modos e pessoas no italiano. O Acordo Ortográfico não vai mexer nesta questão. E o verbo falir continuará defectivo na primeira, na segunda e na terceira pessoas do singular. Na língua portuguesa, nós falimos e vós falis, todas as outras pessoas não podem falir. Pelo menos, no tempo presente do modo indicativo.
O presente do subjuntivo é ainda mais radical. Nenhuma das três pessoas do verbo, tanto do singular como do plural, poderá sequer desejar que venha a falir. Leitores, se alguma autoridade obrigá-los a falir, somente o fará de modo solene, na segunda pessoa do plural: "Fali vós". Mas alguma autoridade dirá isso?
Acho que não. As quebradeiras dispensam as solenidades, ainda que adorem os eufemismos. Lemos que houve descontinuidade no trabalho, não desemprego em massa. Mortes em Gaza? Não, é mais bonito dizer baixas, como se diz dos assassinatos em todas as guerras. Genocídio, vulgo acabar com a raça deles, nem pensar. Limpeza étnica, apesar de a expressão ser horrorosa, soa menos horripilante. Afinal, limpar veio de limpo, do latim limpidus, claro, transparente. O propósito é evitar o disfemismo, antônimo de eufemismo. Disfemia em grego é palavra de mau agouro, blasfêmia. Já eufemismo, do grego euphemismós, pelo francês euphémisme, hoje designa modo de dizer que doura a pílula das palavras para que ouvintes, espectadores e leitores engulam o que a mídia lhes enfia olhos adentro, goela abaixo.
Os políticos não usam mais a segunda pessoa do plural. Os tempos são outros. Getúlio Vargas ainda cultivou a solenidade da segunda pessoa do plural. Nos discursos e na carta com que fez seu testamento político, diz: "Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte". "Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta".
O jornalista Mylton Severiano, entrevistando o professor e sociólogo Francisco de Oliveira na revista Caros Amigos (Ano XII, número 142, janeiro de 2009) lembra a previsão de Graciliano Ramos: o comunismo não daria certo no Brasil porque o proletariado não sabia o que queria dizer uni-vos. Ouve em resposta que o movimento das ligas camponesas "nasceu para comprar caixão de defunto", pois "morria anjinho todo dia".
Os antigos romanos designavam proletarius aquele cuja única produção era a proles, prole, que só sabia fazer filhos. A mortalidade infantil e as proles já não são tão grandes, mas ainda estão ligadas a outras questões delicadas, que se não forem resolvidas levarão muitos à falência, palavra do mesmo étimo de falir e de falecer.
Deonísio da Silva é vice-reitor de cultura e coordenador de letras da Universidade Estácio de Sá http://ee.jb.com.br/reader/zomm.asp?pg=jornaldobrasil_117668/105951 05/02/2009
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