sábado, 7 de fevereiro de 2009

Parece, mas não é

CLÁUDIA LAITANO

Crianças de hoje em dia dizem palavras difíceis com a tranquilidade de quem masca chiclete (“inconstitucionalissimamente” já não quebra a língua de ninguém, façam o teste...), começam a ler em inglês sem que ninguém ensine e aprendem a mexer no computador muito antes de tirar as fraldas. São seres complexos esses meninos e meninas deste começo de século. Informação em excesso, rapidez de raciocínio, um mundo de ideias alheias ao alcance de um Google, tudo isso acompanhado de uma certa arrogância – que é o efeito colateral da inteligência quando falta a sabedoria. Invencíveis no videogame e hábeis em tarefas que ainda parecem complicadas para a maioria dos adultos, como montar em cinco minutos um powerpoint cheio de efeitos mirabolantes, as crianças parecem sempre prontas a jogar na cara dos pais a constatação de que são elas que dominam as regras do jogo – pelo menos no que diz respeito ao onipresente universo da tecnologia.
Para os adultos, é fácil confundir os garotos espertos de 10 anos com um adolescente de 15. Eles às vezes ouvem as mesmas músicas, jogam os mesmos jogos, até leem os mesmos livros – caso de séries como Harry Potter e Crepúsculo. Tudo que uma criança quer, aos 10 anos, é ser tão bacana quanto o primo de 15 – enquanto o pessoal de 15, 20, 25 não parece com pressa nenhuma de sair do ninho. É como se existisse de repente uma superlotação de gente na adolescência: as crianças que estão acelerando a saída da infância, os adolescentes que adiam ao máximo as responsabilidades da vida adulta e ainda os adultos que se esforçam para voltar no tempo. Mas a fantasia peter-pânica de ter eternamente 15 anos é apenas isso: um sonho, uma fachada. Se uma bela e jovial senhora de 40 anos tatuar um dragão nas costas, usar uma minissaia de ursinhos e um par de passadores da Hello Kitty no cabelo nem assim será confundida com uma adolescente. Algumas marcas do tempo nem o Pitanguy apaga.
Com as crianças é mais ou menos a mesma coisa. Por mais descolados, espertos ou sexualmente precoces, não deixam de ser o que são: pessoas em idade de desenvolvimento, afetivamente imaturas e incapazes de tomar decisões que podem ter um impacto em suas vidas que elas ainda não têm condições de dimensionar. E crianças devem ser protegidas de tudo aquilo que ainda são incapazes de resolver sozinhas – pelos pais, pela escola e, em última instância, pela lei e pelo Estado. Por esse motivo, há leis que obrigam que frequentem a escola, que não trabalhem, que no caso de um crime não sejam tratadas como adultos.
Para o desembargador Mario Rocha Lopes Filho, relator do processo que considerou que a relação sexual consentida entre uma adolescente de 12 anos e um homem de 20 não é estupro presumido, a norma em vigor está desafasada e precisa ser relativizada. Ele argumenta que, em alguns casos, meninas com menos de 14 anos de hoje em dia já têm capacidade de decidir sobre sua vida sexual – partindo desse ponto de vista, meninas de 12 anos deveriam poder decidir também se estudam ou não e se trabalham ou não, suponho.
Em um país em que a gravidez precoce é endêmica, essa decisão pode ser considerada um enorme desserviço em termos de saúde pública. Mas o que se percebe nessa leitura das meninas de “hoje em dia” não é apenas um equívoco social, mas psicológico. Há uma brutal confusão entre forma e conteúdo, entre essência e aparência. Adulto não é quem parece adulto, fala como adulto e diz que é adulto. Maturidade, inclusive para cuidar do próprio corpo e lidar com as consequências de uma gravidez, é outra coisa. Algumas meninas têm a sorte de contar com a orientação dos pais e da escola. Outras não – e essas, infelizmente, às vezes não podem contar nem com a proteção da lei.

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