sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

A escola deve ir onde o povo está


Raquel Casiraghi *
-Adital –


A mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Isabela Camini, atua há 12 anos nas escolas dos acampamentos sem terra. A pedagoga acompanha a trajetória das chamadas escolas itinerantes desde o reconhecimento pelo Conselho Estadual de Educação gaúcho em 1996. Isabela também ajuda no setor de Educação do Movimento Sem Terra (MST) e nas escolas em outros estados, como Paraná e Santa Catarina.
Em entrevista, ela fala sobre a importância da escola e desmente alguns mitos, como a formação pedagógica. Também lamenta a atitude do Ministério Público e da governadora Yeda Crusius de fechar as escolas.

- Que diferenças têm as escolas itinerantes em relação às convencionais da rede pública?
Quando nós falamos em escola itinerante ela já se diferencia por ser uma política pública de escola que respeita a caminhada, a realidade e a luta dos trabalhadores. Porque lutar pela reforma agrária e pela terra já é um direito garantido pela em nosso país pela Constituição. E a luta pela reforma agrária do MST é uma luta em família. Portanto, as crianças e as mães estão juntas nos acampamentos, nas marchas. A escola deve estar onde o povo está e não o povo ir onde a escola está. Porque do nosso ponto de vista seria muito complicado crianças de centros urbanos serem obrigadas a estudar na zona rural. E o contrário é verdadeiro. As nossas crianças entrarem no ônibus e estudar na cidade é bastante complicado. Ela se diferencia porque ela respeita a cultura e a realidade do povo que está em marcha buscando uma melhor qualidade de vida.

- Qual é o conteúdo programático que as crianças têm acesso nos acampamentos?
- O conteúdo trabalhado nas escolas itinerantes ainda é um conteúdo baseado praticamente nos livros didáticos que estão aí espalhados nas escolas. Claro que sempre tem um diferencial porque uma escola em um acampamento ou uma marcha existe todo um conteúdo latente que é a prática social. Os acontecimentos, os fatos do dia-a-dia vão acompanhando essas comunidades acampadas e interferindo na escola. Por exemplo, uma ocupação. É evidente que é um conteúdo latente e que dá para trabalhar a ocupação no português, na matemática, na história, na geografia e assim por diante. Uma desocupação, por exemplo. Também os educadores trabalham o conteúdo programático levando em conta essa prática social, essa realidade que invade, que é conectada à escola, porque eles não podem ignorar essa realidade porque nenhuma escola ignora a realidade do seu sujeito, que são os alunos.

- O procurador de Justiça Gilberto Thums acusa a escola itinerante de ideológica. Como vês essa crítica?
- Também acredito que a escola conservadora, a escola capitalista, a escola tradicional, ela historicamente desde o século XV foi pensada e requerida pela classe burguesa. Portanto, ela foi conduzida a serviço da burguesia, portanto ideológica também. Agora é claro, quando os trabalhadores pensam em tomar a escola pública e trabalhar algum conteúdo que venha da realidade e que não é nada novo, porque Marx não caiu da moda, continua atual em algumas correntes da filosofia, aí então são chamadas de ideológicas. Por exemplo, o Estado está preocupado em preparar uma relação de conteúdos, um currículo único para todas as escolas do RS e dando às escolas apenas o trabalho de ensinar. Isso, no nosso ponto de vista, também é ideológico. Trabalhar a realidade, levar a prática social que bate às portas da escola e transformar isso em conteúdo nas várias áreas, os movimentos sociais não podem ser condenados por isso.

- A educação oferecida na escola itinerante é de qualidade?
- A criança que se prepara em uma escola itinerante se prepara muito bem para o mundo. Muitas vezes, muito melhor do que uma escola fixa, fechada e submetida a um conteúdo já pensado historicamente pela classe dominante. No entanto, se o estado tivesse assumido sua responsabilidade de manter as escolas itinerantes com as aquelas condições que tinha se comprometido lá em 1996 a escola deveria ter funcionado melhor nas suas condições físicas e pedagógicas. Aí é claro que prepararia muito bem a criança para viver e enfrentar a sociedade. Mesmo sem as condições, porque o estado não assumiu a sua responsabilidade; deixou as escolas sem lona, os educadores sem salário e formação, as crianças sem material escolar. É claro que a escola foi caindo na qualidade, mas estrutural. As questões pedagógicas como os educadores, a própria formação foram garantidos pelo movimento mas em condições muitas vezes desumanas e precárias.

- Como recebeste a decisão do fechamento das escolas pelo Ministério Público e pela governadora Yeda Crusius?
- Pessoalmente, considero um grande equívoco por parte da SEC [Secretaria Estadual da Educação] e do próprio Ministério Público em retirar o direito das crianças e dos adolescentes de estudarem a partir da sua realidade. Porque tanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional quanto as concepções escolares das escolas do campo garantem que as escolas devem estar onde estão as comunidades. E não as comunidades se deslocar até onde estão as escolas. Acredito que não vai ter sustentação as escolas serem matriculadas em escolas municipais ou estaduais fixas porque a luta pela terra mantém uma itinerância, o acampamento não permanece no mesmo lugar durante um ano, dois anos. A todo momento essa criança pode estar sendo transferida de uma escola para outra. Vai acontecer que muita criança vai evadir e reprovar porque ela não tem o tempo definitivo para permanecer na escola.

- Passados 12 anos de experiência da escola sem terra no Rio Grande do Sul, o que avançou na sua opinião?
- Em primeiro lugar, acho que ela avançou significativamente porque ela teve vida há 12 anos. O MST se mostrou à sociedade na luta pela terra garantindo o direito a ter escola e a ter a família e as crianças lá junto no acampamento. Ela avançou significativamente porque escolarizou um grande número de crianças sem terra que poderiam estar nas ruas das grandes cidades, aumentando o número de crianças e de adolescentes que estão nas ruas abandonadas. A escola itinerante no RS foi referência para criar escolas itinerantes no Paraná, Santa Catarina, Goiás, Alagoas e Piauí. Todos estes estados vieram buscar a experiência e a referência da escola itinerante aqui no estado. E agora exatamente este estado que serviu de referência para os outros cinco estados, ele tira o direito das crianças de estudarem nos acampamentos.

[Publicada e enviada por Brasil de Fato] - 27/02/2009
http://www.adital.org.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=37483
* Agência Chasque

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