Leonardo Boff*
Há imenso sofrimento produzido pela atual crise econômico-financeira, em todos os estratos sociais, seja ricos seja pobres. Mais que a admiração é o sofrimento que nos faz pensar. É o momento de irmos para além do aspecto econômico-financeiro da crise e descermos aos fundamentos que a provocaram. Caso contrário, as causas da crise continuarão a produzir crises cada vez mais dramáticas até se transformarem em tragédias de dimensões planetárias.
O que subjaz à atual crise é a ruptura da clássica cosmologia que perdurou por séculos mas que não dá mais conta das transformações ocorridas na humanidade e no planeta Terra. Ela surgiu há pelo menos cinco milênios, quando começaram a se constituir os grandes impérios, ganhou força com o Iluminismo e culminou com o projeto da tecnociência contemporâneo.
Errado pensar
que o ser humano
pode produzir
e consumir de
forma ilimitada
Ela partia de uma visão mecanicista e antropocêntrica do universo. As coisas estão aí, uma ao lado da outra, sem conexão entre si, regidas por leis mecânicas. Elas não possuem valor intrínseco, apenas valem na medida em que se ordenam ao uso humano. O ser humano se entende fora e acima da natureza, como seu dono e senhor que pode dispor dela ao seu bel-prazer. Partia de uma falsa pressuposição de que poderia produzir e consumir de forma ilimitada dentro de um planeta limitado, que esta abstração fictícia chamada dinheiro representa o valor maior, que a competição e a busca do interesse individual resultarão em bem-estar geral. É a cosmologia da dominação. Pois esta cosmologia levou a crise ao âmbito da ecologia, da politica, da ética e agora da economia. As ecofeministas nos chamaram a atenção para a estreita conexão existente entre antropocentrismo e patriarcalismo, que desde o neolítico faz violência às mulheres e à natureza.
Felizmente a partir dos meados do século passado, vindo de várias ciências da Terra, especialmente da teoria da evolução ampliada, está se impondo uma nova cosmologia, mais promissora e com virtualidades capazes de contribuir na travessia da crise de forma criativa. Ao invés de um cosmos fragmentado, composto pela soma de seres mortos e desconectados, a nova cosmologia vê o universo como o conjunto de sujeitos relacionais, to- dos inter-retro-conectados. Espaço, tempo, energia, informação e matéria são dimensões de um único grande Todo. Mesmo os átomos, mais que partículas, são entendidos como ondas e cordas em permanente vibração. Antes que uma máquina, o cosmos, incluindo a Terra, comparece como um organismo vivo que se auto-regula, se adapta, evolui e eventualmente, em situações de crise, dá saltos buscando um novo equilíbrio.
A Terra, segundo renomados cosmólogos e biólogos, é um planeta vivo Gaia - que articula o físico, o químico, o biológico de tal forma que se torna sempre benfazejo para vida. Todos seus elementos são dosados de uma forma tão subtil que somente um organismo vivo poderia fazê-lo. Somente a partir dos últimos decênios, e agora de maneira inequívoca, dá sinais de estresse e de perda de sustentabilidade. Tanto o universo quanto a Terra se mostram di recionados por um propósito que se revela pela emergência de ordens cada vez mais complexas e conscientes. Nós mesmos somos a parte consciente e inteligente do universo e da Terra. Pelo fato de sermos portadores destas capacidades, podemos enfrentar as crises, detectar o esgotamento de certos hábitos culturais (paradigmas) e inventar novas formas de sermos humanos, de produzirmos, consumirmos e convivermos. É a cosmologia da transformação, expressão da nova era, a era ecozóica.
Precisamos abrir-nos a esta nova cosmologia e crer que aquelas energias (expressão da suprema Energia) que estão produzindo o universo já há mais de 13 bilhões de anos estão também atuando na presente crise econômico-financeira. Elas certamente nos forçarão a um salto de qualidade rumo a outro padrão de produção e de consumo, que efetivamente nos salvaria, pois seria mais conforme à lógica da vida, aos ciclos de Gaia e às necessidades humanas.
*Teólogo
http://ee.jb.com.br/reader/zomm.asp?pg=jornaldobrasil_117665/105823 02/02/2009
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