domingo, 9 de janeiro de 2011

Como medir o contentamento

TIM HARFORD*
Imagem da Internet**
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Para medir o bem-estar,
especialistas propõem pesquisas
sobre como a população
usa seu tempo

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"É QUASE IMPOSSÍVEL medir o bem-estar de uma nação com base em indicadores de renda nacional." Foi esse o aviso que o Congresso dos Estados Unidos recebeu em 1934 de Simon Kuznets, que assim manteve uma já antiga tradição de apontar que a vida é mais do que dinheiro.
Os comentários do economista estavam vinculados às primeiras tentativas sérias de calcular a renda nacional de uma maneira que incorporasse tudo o que um país produz e ganha. Kuznets e sua equipe haviam desenvolvido os modelos usados para tanto, e ele estava ciente de suas limitações.
Outros pesquisadores seguiram o exemplo de Kuznets. Dos altos escalões do governo do presidente Barack Obama ao gabinete do presidente francês Nicolas Sarkozy e à assessoria do primeiro-ministro britânico, David Cameron, o objetivo de avaliar o bem-estar nacional conquistou a atenção das autoridades. Cameron se tornou o mais recente partidário da causa, dizendo que o Reino Unido precisa encontrar indicadores alternativos que demonstrem o progresso nacional com base "não só na expansão da economia mas na melhora de nossas vidas".
Existem, em linhas gerais, três abordagens para mensurar o bem-estar. Uma envolve o uso de uma estrutura há muito estabelecida de contas sobre o patrimônio nacional, ajustando-as de maneira a refletir melhor o bem-estar da nação.
A segunda é recolher dados sobre indicadores objetivos que tenham conexão plausível com o bem-estar, como expectativa de vida, crime, suicídios e desigualdade de renda.
O terceiro método -os três não são mutuamente exclusivos- é tentar medir o bem-estar de maneira direta, perguntando às pessoas como se sentem -o equivalente a avaliar a riqueza nacional perguntando aos cidadãos: "Em uma escala de 1 a 10, quanto você é rico?".
O método pode não parecer controverso; parece evidente que, quando a pessoa é feliz, ela sabe. Mesmo quanto a isso, existem abordagens distintas. A primeira e mais conhecida é a coleta de informações sobre "satisfação na vida", perguntando às pessoas até que ponto estão satisfeitas com suas vidas, de modo geral, usando, por exemplo, uma escala de 1 a 10.
"O elemento relacionado à felicidade
surge quando essas pesquisas são combinadas
ao método de reconstrução do dia.
Este pode produzir indicadores sobre o tempo
que as pessoas passam em
estado mental desconfortável e
 sobre coisas que elas fazem
nesses períodos."
A alternativa é selecionar um determinado conjunto de eventos e perguntar às pessoas que sentimentos produziram. Um exemplo é o "método de reconstrução de dia", desenvolvido por pesquisadores como o psicólogo Norbert Schwarz, o economista Alan Krueger (até recentemente economista-chefe no Departamento do Tesouro dos EUA) e o psicólogo Daniel Kahneman, ganhador do Nobel de Economia.
O método solicita que as pessoas recordem o dia anterior, episódio por episódio, e que definam o sentimento dominante com relação a cada um deles (estresse, paz, exaustão, entusiasmo). Já os professores Kahneman, Krueger e outros propõem a publicação de indicadores de uso de tempo, em companhia das contas nacionais regulares.
Pesquisas sobre o uso de tempo empregam amostras representativas de como um país gasta seu tempo, seja cozinhando, indo de casa para o trabalho ou vendo TV.
O elemento relacionado à felicidade surge quando essas pesquisas são combinadas ao método de reconstrução do dia. Este pode produzir indicadores sobre o tempo que as pessoas passam em estado mental desconfortável e sobre coisas que elas fazem nesses períodos.
"Essa abordagem é especialmente útil para a avaliação das intervenções de política pública, já que o investimento no sistema viário e em ferrovias pode reduzir o tempo gasto para chegar ao trabalho, leis sobre horas extras afetam a jornada de trabalho e praças afetam as atividades de lazer", diz Krueger. O método também contorna um problema intransponível da abordagem que avalia o grau de satisfação com a vida: o fato de que uma vida que merece nota 5 para uma pessoa valeria 8 ou 10 para outra.
Na pesquisa Eurobarômetro, 64% dos dinamarqueses se descrevem como "muito satisfeitos", ante apenas 16% dos franceses. É tentador questionar o quanto a pesquisa nos diz de fato sobre o bem-estar relativo na França e na Dinamarca.
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*TIM HARFORD é autor de "O Economista Clandestino" e "A Lógica da Vida", colunista e membro do conselho do "Financial Times", jornal em que este texto foi publicado originalmente.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Fonte: Folha online, 09/01/2011
**A persistência da memória (1931). Salvador Dali. The Museum of Modern Art, New York.
Imagens da Internet

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