MICHAEL KEPP*
Imagem da Internet
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Evoluiu entre minha mulher e eu um acordo
para conviver em festas:
até 20 minutos a sós com desconhecidos
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EU E MINHA mulher, Rosa, levamos uma década para relaxar em eventos sociais quando o outro batia um papo prolongado com um(a) desconhecido(a) do sexo oposto. Essa ansiedade, uma mistura de ciúme com abandono, talvez seja parte da natureza humana.
Quando começamos a ir a festas, especialmente àquelas em que a música dançante criava um clima, a ansiedade crescia à medida que o outro passava mais tempo com o(a) desconhecido(a). Voltando para casa, revelávamos nossa indignação: "Eu me senti preterido(a)".
Mas essas cobranças não freavam nosso comportamento gregário -o meu em particular- em festas cheias de desconhecidos.
Com o passar do tempo, evoluiu entre nós um acordo subentendido, selado sem uma só palavra, que nos permitiu conviver sem cobranças com o comportamento do outro em festas -desde que nenhum dos dois passasse mais de 20 minutos com um(a) desconhecido(a).
Se isso ocorresse, qualquer um de nós -se não estivesse engajado em papo similar- podia chegar e dizer "Querido(a), vamos dançar?", o que encerraria a conversa.
Depois de uma década de casamento e com o crescimento da confiança mútua, sem combinarmos, o acordo passou a valer por 45 minutos, um tempo de um jogo de futebol, que também requer um intervalo.
A maioria dos nossos amigos considera esse limite de tempo uma eternidade. Um deles não deixa a mulher falar com um desconhecido em festas por mais de cinco minutos sem invadir o espaço dos dois. A mulher dá a ele dez minutos.
Em uma festa dançante, há cinco anos, a música era tão alta que uma mulher que eu acabara de conhecer sugeriu que achássemos um lugar mais sossegado para conversar. Fomos para um quarto, onde ficamos de porta aberta. Mas, após 30 minutos, ela começou a ficar preocupada com a possibilidade de Rosa aparecer ali enciumada a qualquer momento.
Passados 40 minutos, eu não conseguia mais conter seu nervosismo.
Então, contei a ela sobre o acordo tácito e acrescentei que ainda tínhamos alguns minutos. Um minuto depois, apareceu Rosa.
Sem olhar para a desconhecida, disse: "Querido, vamos dançar?". Minha previsão de que ela apareceria naquele momento, fazendo aquele convite, provocou-nos gargalhadas.
Mais tarde, expliquei a Rosa o motivo dos risos e pensei que nosso acordo funcionava muito bem. Nos últimos anos, a confiança cresceu tanto entre nós que hoje, nas festas, o único acordo é se divertir.
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*MICHAEL KEPP , jornalista norte-americano radicado há 27 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)
Fonte: Folha online, 04/01/2011
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