terça-feira, 26 de julho de 2011

Amy e Harry

Juremir Machado da Silva*

Crédito: ARTE PEDRO LOBO SCALETSKY

Ficção e realidade confundem-se cada vez mais. Amy Winehouse se foi ao mesmo tempo em que chegou ao fim a saga cinematográfica do personagem mais chato da história das telas e da literatura, o bruxinho insípido Harry Potter, grande formador de futuros leitores de Paulo Coelho. Amy, como Janis Joplin, Jim Morrison, Jimi Hendrix, Brian Jones e Kurt Kobain, morreu antes dos 30. Os bons morrem aos 27. Os médios, aos 72. Os ruins parecem imortais. É o meu consolo. E dos meus críticos. O grande poeta Jean-Arthur Rimbaud, um dos maiores de todos os tempos, também morreu cedo. Largou a poesia aos 20 e foi traficar armas na África, o que, já naquela época, era mais rentável e admirado. Os bons querem viver intensamente. Podem errar brutalmente o caminho, mas buscam sempre o máximo. Amy era personagem de um mundo anacrônico, ultrapassado pela ideologia esotérica e mercantil da era insossa de Harry Potter.
A revista francesa Les Inrockuptibles lançou um manifesto de repúdio a Harry Potter, o eleito sem mérito, cujos "poderes" são inatos ou concedidos por seus protetores, o bonzinho insuportável, o bom menino que não faz artes. Especialmente não faz arte, "inodoro, incolor e sem sabor, garoto intelectualmente banal num universo extraordinário". Um medíocre com bom comportamento. Assino embaixo. Amy era mau exemplo? Pode ser. Não soube viver mais. Naufragou no álcool e nas drogas. Perdeu o controle do seu lado maldito. Harry Potter é bom exemplo? Não. Era o bem transformado em lição permanente de moral. Estou de luto pela morte de Amy Winehouse. Em contrapartida, espero que Harry Potter não volte para atormentar nossas crianças e nossos adolescentes com seu mundo mágico barato. Chega de bruxos, de vampiros e de malas.

"Há algo, porém, de inquietante
e provocativo nessa sede de viver
 e nessa incapacidade
de aquietar-se."

Tem muito psicanalista tecendo loas a Harry Potter. Conversa fiada. A única bruxinha interessante era Amy. Morrer cedo é sempre um bom caminho para a sobrevivência. Che Guevara virou mito. Não pagou o mico de ser visto, como Fidel Castro, com um abrigo horrível da Adidas. Humor sombrio à parte, não estamos mais nos anos 1960, como qualquer um já deve ter percebido, se bem que alguns são lentos, e não cabe elogiar a loucura, a morte precoce ou a abertura das "portas da percepção", ou do outro lado, pelo consumo de drogas. Há algo, porém, de inquietante e provocativo nessa sede de viver e nessa incapacidade de aquietar-se. Dizem que Amy não soube lidar com a fama. Besteira. A fama não lhe bastava. Ela não soube encontrar satisfação apenas na fama, que parece bastar aos medíocres. Amy foi o oposto de Harry Potter.
Terrível é saber que ela não voltará. Já Harry Potter sempre poderá ressurgir. Que medo! Amy provou que não há reabilitação para o excesso de talento e para a inconformidade com o trivial do cotidiano. O que ela queria? Não sei. Certamente prazer, felicidade, amor, satisfação e todas essas coisas que para alguns não se resumem a ser famoso ou a poder voltar para casa cheio de sacolas com produtos de grife. Na maldição de Amy havia alguma coisa a ser aproveitada. Xô, Harry Potter. Vai.
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* Sociólogo. Escritor. Prof. Universitário.
Fonte: Correio do Povo on line, 26/07/2011

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