terça-feira, 26 de julho de 2011

Euforia perpétua?

MICHAEL KEPP*

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Essa tranquilidade interior é para monges,
 celibatários, enclausurados.
 Não combina comigo
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No ano passado, fiquei conhecendo um hóspede numa pousada, que me perguntou: "Você é feliz?". Achei que a pergunta carregava um juízo de valor e era relativa e reducionista, exigindo que eu destilasse a minha dinâmica emocional complexa em uma palavra.
Para mim, a felicidade é uma emoção em meu fluxo constante de estados de ânimo, que mudam conforme as circunstâncias. Não é um estado de espírito perpétuo.
Algumas semanas antes disso, meu ortopedista tinha me dito que eu precisaria de uma cirurgia para reconstruir dois tendões do meu ombro direito, que se romperam depois que tropecei e caí numa calçada esburacada.
Ele explicou que mais de 95% de seus pacientes recuperam a maior parte da mobilidade do ombro após seis meses de fisioterapia e 90 minutos diários de exercícios.
O hipocondríaco que existe em mim, porém, visualizava estar entre os 5% que não o fazem.
Assim, na pousada, a ansiedade ofuscou meus outros estados de espírito. Em doses terapêuticas, a ansiedade me prepara para algo que promete ser desagradável. Mas, para aquele hóspede, que pratica meditação duas vezes por dia, a ansiedade é sinal de ausência de felicidade -que, na visão dele, é tranquilidade interior.
"Minha sintonia com a vida
faz com que a felicidade,
assim como outras emoções,
 me atinja em ondas."

Para mim, esse estado de bem-estar é mais próprio de monges budistas, celibatários, enclausurados e pacatos. Não combina com alguém como eu, que se revolta com a injustiça. Então, respondi assim à pergunta dele: "Amar e ser amado me deixa em sintonia com a vida".
O dinamismo da vida torna inevitáveis a dor e o conflito, levando algo a ficar fora de sintonia, às vezes. A felicidade constante é a ilusão de que tijolos não caem de um céu azul. Eles caem, sim. No entanto, as dores de cabeça que provocam podem ser bênçãos disfarçadas.
A cirurgia do ombro deixou meu braço numa tipóia dia e noite por cinco semanas. Exigiu que minha mulher me desse banho, trocasse minhas ataduras e me ajudasse a encontrar a posição menos dolorosa para dormir.
A dedicação dela a essas tarefas deixou mais claro do que nunca o quão afortunado eu sou. Ou, parafraseando o poeta inglês William Blake: "Alegria e tristeza se sentam à mesma mesa".
Minha sintonia com a vida faz com que a felicidade, assim como outras emoções, me atinja em ondas. E, como no caso das ondas que deixam os surfistas eufóricos, o tamanho e a frequência delas dependem, em parte, de como o vento está soprando.
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*MICHAEL KEPP, jornalista americano radicado há 28 anos no Brasil, é autor de "Tropeços nos Trópicos -crônicas de um gringo brasileiro" (Record)
Fonte: Folha on line, 26/07/2011
Imagem da Internet

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