Lucy Kellaway*
Fixei meu olhar na camisa vermelha de Niraj, não ousando encarar seus olhos escuros. "Você me ama?", perguntei.
Ele colocou o removedor de manchas Vanish em um saco plástico, agindo como se eu não tivesse dito nada. Após uma pausa, ele perguntou: "Você tem o Clubcard?"
Eu disse não, não tinha o Clubcard e refiz minha pergunta, desta vez olhando diretamente para ele. "Você me ama?" Uma expressão de preocupação apareceu em seu rosto. "Como?", devolveu.
Eu disse que estava seguindo uma recomendação feita por seu chefe. Richard Brasher, o novo presidente da Tesco no Reino Unido, acabava de ser mencionado no jornal "The Times", onde disse: "O que eu quero fazer é abraçar o staff, amar os funcionários para que eles amem os clientes".
O que eu queria saber era como Niraj se sentia em relação aos abraços de Brasher e sobre repassá-los a mim. Mas ele sacudiu a cabeça como se não estivesse entendendo e olhou para a fila que se formava. Pedi desculpas por tê-lo deixado embaraçado, peguei minhas compras e fui embora.
Posteriormente, fiz uma nova incursão para reforçar minhas amostras estatísticas. Interpelei um jovem que estava colocando alimentos nas prateleiras. Perguntei se ele sabia que seu chefe havia prometido amá-lo para que ele pudesse me amar. Richard Basher, repeti. Ele sacudiu a cabeça e disse, um pouco desconfiado, que não tinha nada daquilo em estoque. Então, perguntei onde ficavam os cereais Coco Pops e dessa vez ele foi bastante solícito.
Portanto, nessa área de Londres eles não estão sentindo o amor e, consequentemente, não o estão repassando. Isso pode estar acontecendo simplesmente porque a Tesco tem 294 mil funcionários, o que representa muito amor e abraços para distribuir e, talvez, Brasher chegue até Niraj e seus colegas se eles forem pacientes.
Enquanto isso, eles parecem estar se saindo bem sem esse amor. Não vou com frequência à Tesco porque estou tentando incentivar a mercearia curda do outro da rua, que está sendo lentamente sufocada pela rede de supermercados. Quando vou, os funcionários da Tesco são bastante gentis e rápidos na abertura de um novo caixa quando uma fila se forma.
Eles fazem o que seus clientes querem, que não é distribuir amor, e sim serem rápidos. Na verdade, os clientes querem tão pouco amor dos funcionários do supermercado que parecem preferir cada vez mais o controle automático de saída, que não poderia ser menos amoroso. No entanto, Brasher não está descobrindo a roda ao insistir que sua equipe ame os clientes.
Em 2003, Jimmy Lee, um vice-presidente do conselho de administração do JP Morgan, escreveu para seus subalternos da área de finanças, ordenando que "tirem o dia de hoje para chamar um cliente e dizer a ele que vocês o amam".
Na época, escrevi uma coluna declarando que aquilo era o ponto alto da idiotice corporativa. Decidi que aquilo podia ser explicado - ainda que não justificável - baseado no fato de que os banqueiros estavam tão vaidosos e cheios de dinheiro que se sentiam como se fossem Deus, e Deus ama todo mundo.
Mas, no caso da Tesco, a situação é mais confusa, uma vez que os supermercados não estão tão vaidosos nem cheios de dinheiro, e não se sentem como se fossem Deus. Suponho que, assim como Deus, a Tesco é onipresente e talvez por isso possa se traçar um paralelo.
O que Brasher deveria ter dito é que ele gostaria de demonstrar respeito por seus funcionários, para que eles demonstrassem respeito para com os clientes. Ao falar sobre amor, ele convida ao cinismo e fica parecendo um idiota para seu staff - ou ficaria, se muitos deles lessem o "The Times" ou soubessem quem ele é.
Enquanto ele estava falando de amor, Frans van Houten, o novo presidente da Philips - grupo holandês de produtos eletrônicos de consumo - falava tolices de outro tipo. Poucas semanas atrás escrevi com desprezo sobre um e-mail em que ele descreveu a nova iniciativa administrativa da companhia como uma "jornada" chamada "Acelere!". Mas ele voltou a falar besteiras administrativas:
"Estamos anunciando hoje nossas novas iniciativas Philips: Ávido por Vencer, Assumir o Comando e União para a Excelência... Vamos adotar novos comportamentos hoje e aplicá-los em tudo que fazemos - assim levaremos, juntos, a Philips para o próximo nível!" Tudo aqui é deprimente. Comportamento é um substantivo que não tem plural e a Philips não é um jogo de computador em que alguém avança de um nível para outro.
Assumir o Comando? Se o staff assumir o comando de suas faculdades mentais ele certamente ficará pouco inclinado a adotar esses três "comportamentos", que não passam de clichês insossos e que não sugerem como alguém deveria se comportar em situação nenhuma.
E assim fico imaginando: quem eu preferiria ter como chefe, Brasher ou van Houten? É uma disputa apertada, mas eu escolheria o primeiro. Uma abordagem estúpida ao meu coração é mais fácil de ser ignorada do que uma campanha estúpida e prolongada contra minha mente.
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* Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times". Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de Carreira
Fonte: Valor Econômico on line, 18/07/2011
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