sexta-feira, 22 de julho de 2011

O papel da tela

Leitura: Com mais adeptos a cada dia no Brasil,
o e-book é assunto de debates em congresso internacional da CBL
 e na Jornada de Passo Fundo.

Tomohiro Ohsumi/Bloomberg
Visitantes experimentam tablets para livros em Tóquio, no dia 7:
preço está caindo em todo o mundo

A tecnologia é nova, mas oferece uma experiência rudimentar: desenhar com o dedo, diretamente na superfície de uma tela. O que pode ser uma brincadeira comum para crianças, no caso da poeta e artista plástica Laura Erber, que desenhou e escreveu num tablet - sem usar o papel - o livro "Bénédicte Vê o Mar" (Editora da Casa), lançado recentemente, o movimento representou a quebra de um tabu: "Na minha geração, não se tocava na tela, era algo distante. Mas a tela sensível ao toque, que permite literalmente enfiar a mão no computador, é muito rica para quem lida com o traço e o desenho. E o desenho, para mim, começa onde a escrita cessa".
Laura publicou seu trabalho em PDF, gratuitamente na internet. Animada com o resultado, já se engajou em outro projeto, uma parceria com a designer Maria Cristaldi, dessa vez voltado para crianças e para venda em tablets: um jogo da forca virtual, para trabalhar "a aquisição da palavra como um jogo". "Não me interessa tanto o frenesi da virtualidade, mas a maneira como esses artefatos redesenham a nossa sensorialidade", diz.
Como afirma o editor do site americano Publishing Perspectives, Edward Nawotka, "a vantagem da publicação digital é permitir a experimentação". Se as grandes editoras nem sempre possuem flexibilidade para tal, Nawotka, convidado do 2º Congresso Internacional do Livro Digital, que a Câmara Brasileira do Livro (CBL) realiza na semana que vem em São Paulo, acredita ser quase certa uma explosão, nos próximos anos, "do número de microeditoras e autores que publicarão as próprias obras [self-publishing]". No Brasil, segundo ele, país de dimensões continentais e relativamente poucas livrarias, o e-book cumprirá um papel importante. "À medida que o país se tornar mais próspero, mais gente vai adquirir aparelhos digitais. Isso vai gerar nova demanda por conteúdo."
A popularização também virá pelo preço, em sua opinião: "Talvez o maior obstáculo que os editores terão de superar - seu maior medo - é esse. O preço dos e-books em todo o mundo está caindo. Nos EUA, autores independentes venderam mais de um milhão de livros digitais porque cobravam US$ 0,99 ou US$ 2,99. É difícil os editores sustentarem seus negócios na forma atual assim".

"À medida que o país se tornar mais próspero,
 mais gente vai adquirir aparelhos digitais.
Isso vai gerar nova demanda por conteúdo",
diz editor

Convencida de que o e-book se tornará uma realidade no país bem antes do que se imaginava havia um ano, a professora Tania Rösing, coordenadora da Jornada Nacional de Literatura, realizada bienalmente em Passo Fundo (RS), escolheu como tema da edição deste ano, entre 22 e 26 de agosto, Literatura entre Nós - Redes, Linguagens, Mídias, com a participação de autores como Pierre Lévy e Beatriz Sarlo. Preparar professores para as tecnologias de leitura é urgente, diz Tania: "Eles não passaram nem pela leitura tradicional e terão de entrar no e-book, adaptando-se ao trinômio educação, tecnologia e cultura. Falta no país um programa de formação de mediadores de leitura. Mas precisamos aproximar os professores da experiência dos jovens".
No Brasil, a editora Manati, voltada para crianças e jovens, está entre as poucas que, fora do campo didático, começam a criar conteúdo exclusivo para tablets. Em junho, lançou para o iPad versões de "Chapeuzinho Vermelho" e "Os Três Porquinhos", ilustradas pela premiada Mariana Massarani. A sugestão para fazer os e-books partiu da empresa de tecnologia Callnet. "Foram quatro meses em que eu e a Mariana ficamos totalmente imersas no trabalho. Mas o retorno tem sido incrível", conta Bia Hetzel, escritora e editora da Manati. Os livros interativos, recém-lançados para iPhone e iPod Touch e cujo nível permite a oferta no mercado internacional, trazem ainda jogos e possibilidade para as crianças - o público-alvo é a faixa de 3 a 4 anos - gravarem narrativas que inventam a partir das ilustrações. E a editora já começa a adaptar obras do catálogo para o tablet. "Mas a cada vez é como se estivéssemos fazendo um livro novo, em sintonia com o suporte. É caro produzir, são muitas horas de programação para a qualidade que buscamos oferecer", afirma Bia.
Outra proposta inovadora é a da Ímã Editorial, lançada este mês por Julio Silveira. Com experiência no ramo da edição, ele criou a empresa com a certeza de que "o poder vai passar do editor para o autor e o leitor". Os livros são oferecidos no formato que o consumidor quiser, inclusive no velho papel. "A Ímã se estrutura para ser um agente que conecte autores e públicos, pelos diversos formatos e meios (livrarias, sites, eventos). Esse será o novo papel dos editores quando a transição para a publicação digital estiver amadurecida", diz Silveira. A editora, que atuará fortemente nas redes sociais, estreia com o clássico "O Meio É a Massagem", de Marshall McLuhan. Também publica a coletânea "Livro Livre", com artigos sobre leitura e publicação digital.

Curiosamente, segundo pesquisas nos EUA,
são os adolescentes que mais resistem
ao e-book e mais
se apegam ao papel.



Entre muitos projetos, a Ímã organiza com a Biblioteca Nacional, no Rio, a série de debates "Autor 2.0", sobre a nova situação dos escritores. Na opinião de Silveira, a maior parte das editoras no país está atrasada na corrida digital, com uma posição conservadora. "Muita gente reage se encastelando." O anúncio recente de que a Amazon - hoje o principal vendedor de e-books em português - vai se instalar no país deu um susto no mercado, segundo Silveira. A livraria virtual, porém, ainda tateia possibilidades aqui. Mesmo assim, o editor acredita que eles "virão pesado". "Isso vai exigir profissionalização e padronização do mercado de e-books no Brasil."
Susanna Florissi, presidente do Comitê do Livro Digital da CBL, não tem dúvida de que a competição vai aumentar, com os agentes internacionais. "Um dos entraves são os limites da banda larga. Mas isso deve mudar e a possibilidade de produzir tablets nacionais torna ainda mais importante a discussão sobre os modelos de negócio."
O editor-executivo da Singular Digital, Carlo Carrenho, diz que atualmente o Brasil se encontra no segundo escalão na esfera dos e-books, atrás de países como Estados Unidos ou Inglaterra, mas no mesmo nível da Alemanha ou da Espanha. Carrenho coordenou em junho e neste mês, no Rio, um curso sobre publicação digital na Estação das Letras, em parceria com o site Publishnews, que dirige. Pela demanda, observou que as pessoas estão ansiosas para aprender: "As aulas que mais interessaram foram as de cunho prático".
A reciclagem é constante, diante de novidades que surgem a todo momento. A escritora J.K. Rowling anunciou para o dia 31 - aniversário de Harry Potter - o lançamento do site Pottermore, que desenvolveu nos últimos dois anos com a Sony. Até outubro, quando terá acesso liberado, o site funcionará experimentalmente. A autora promete compartilhar informações novas sobre a trama e os leitores serão convidados a participar ativamente. Mas, principalmente, será o canal exclusivo para a venda de audiolivros e e-books da série. O lançamento ocorre cercado de expectativas. Será mais um laboratório para observação dos leitores, especialmente os mais jovens. Curiosamente, segundo pesquisas nos EUA, são os adolescentes que mais resistem ao e-book e mais se apegam ao papel.
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Reportagem por Rachel Bertol - Para o Valor, do Rio
Fonte: Valor Econômico Impresso, 22/07/2011 › EU& Fim de semana › Cultura

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