Gislaine Gil *
Quando falamos em memória vem logo à cabeça que esta é uma função isolada do cérebro e que, quando está falha, temos a sensação de que estamos perdidos! As falhas são percebidas como mais desesperadoras quando entramos na faixa etária dos 60, pois logo vem à mente: “Tenho o alemão, tenho Alzheimer”!
Devo desmistificar todas essas afirmações, até porque precisarei convencer você, leitor, que há sempre o que fazer quando apresentamos falhas em nossa “CPU cerebral”. Primeiro: não temos uma única memória, temos várias, distribuídas em várias regiões cerebrais. Segundo: a queixa de memória não é sinônimo da demência por doença de Alzheimer. E, terceiro, há sempre o que fazer em momentos desesperadores de “brancos”.
Vamos à primeira parte. Os tipos de memória podem ser classificados em: memória dependente do tempo, memória dependente do conteúdo e memória de todo dia, segundo o pesquisador Solberg.
A memória dependente do tempo pode ser dividida em dois subtipos, a de curto prazo, ou memória de trabalho, e a de longo prazo. A memória de curto prazo é limitada em seu armazenamento restringindo as informações por um período de até poucos minutos e a informação ainda pode ser manipulada; é a memória de trabalho. Quando estamos lendo um texto, muitas vezes temos que retomar o parágrafo anterior, pois percebemos que estamos lendo, mas não estamos compreendendo. Neste momento, podemos analisar se não estamos com excesso de estímulos interferentes ao redor, pois estes podem prejudicar a concentração da leitura.
Dica para leitura
Quando você vai ler um documento importante, dirija-se a um ambiente em que não há interferências (não há televisão ligada, o telefone não toca incessantemente e sem pessoas falando ao redor). Mantenha a postura correta na cadeira, para que o incômodo provocado pela má postura não o deixe irrequieto e atrapalhe a compreensão do texto. Use uma folha de papel sulfite branca para tampar as linhas que você ainda não está lendo, ou seja, visualize uma linha por vez e tente marcar com uma caneta marca texto, pelo menos duas palavras importantes de cada parágrafo e depois releia as palavras grifadas para absorver melhor a informação.
Já a memória de longo prazo é ilimitada e pode ser dividida segundo o conteúdo em memória não declarativa e declarativa. A memória não declarativa está envolvida em atividades que você desempenha no automático, como dirigir um carro e não perceber os detalhes do caminho percorrido. Mas, neste momento, lembre-se: por não estar prestando atenção, você pode fazer caminhos rotineiros como ir para o trabalho ao invés de ir ao shopping.
Para acionarmos a memória declarativa, por outro lado, gastamos certa energia, pois precisamos parar e pensar para buscar a informação no cérebro. Quando alguém nos pergunta o que o chefe disse na reunião de ontem ou quando temos que recordar a que temperatura a água ferve, estamos utilizando, no primeiro caso, a memória declarativa episódica e, no segundo, a memória declarativa semântica. Esta última continua a crescer ligeiramente, mesmo com o aumento da idade e, nas pessoas com diagnóstico de demência por doença de Alzheimer, falha somente em estágios mais avançados da doença. Para melhorá-la, a pessoa pode realizar palavras cruzadas, pois aumenta o conhecimento de fatos históricos e enriquece o vocabulário. A memória episódica, por outro lado, é a que mais falha ao longo da vida e é um dos primeiros sinais da demência por doença de Alzheimer. Quando a frequência das falhas é alta, pode ser auxiliada com estratégias simples.
Durante o dia, por algumas vezes, você pode parar a atividade que está realizando e se perguntar: “O que eu estava fazendo antes desta tarefa?”. Também pode escrever na agenda todas as atividades realizadas e, antes de dormir, retomar de memória tudo que foi feito, com o maior número de detalhes possíveis. Para aumentar os detalhes, tente lembrar quem viu, em que lugares foi, o que comeu durante as refeições. Aproveitando, você também pode se perguntar “O que supostamente tenho que fazer depois?”, e, com esta questão, você trabalha a memória prospectiva, mais conhecida como memória do dia todo.
Esta memória é dividida em prospectiva para evento e tempo. Nesta primeira, você deve se lembrar de dar alguma informação quando ocorre um evento específico, ou seja, se durante o dia alguém lhe pede para dar um recado a uma determinada pessoa, quando você a encontra (evento), imediatamente tem que dar o recado. Pode ocorrer, por outro lado, de ter que lembrar de pagar uma conta num momento específico. Portanto, o tempo deverá disparar uma recordação de algo a fazer. Para melhorar o desempenho, tente trabalhar com as duas situações simultaneamente. Se você tem que tomar um remédio em um tempo específico, por exemplo, às 21 horas (tempo) e sabe que neste momento estará assistindo à novela (evento), deixe os remédios na frente da televisão e não na pia do banheiro, onde você nem vai passar.
Procure inserir todas estas estratégias no seu cotidiano, mas se ainda sentir necessidade de aprender outras técnicas para desviar-se dos lapsos de memória no dia a dia, procure um programa de estímulo à atenção e à memória. Com o suporte de especialistas, é possível traçar estratégias para diminuir o estresse, melhorar o sono, saber sobre os perigos da interação medicamentosa, além de ter recomendações de dietas e exercícios físicos específicos, com a finalidade de melhorar o desempenho cognitivo.
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* Gislaine Gil é neuropsicóloga, coordenadora do Programa de Estímulo à Atenção e à Memória do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e autora do livro “Memória – tudo que você gostaria de saber, mas esqueceu de perguntar”, da editora Campus-Elsevier.
** Publicado originalmente no site O que eu tenho.
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