sexta-feira, 22 de julho de 2011

‘Outro mundo possível’ é possível?(II): eficiência e o social

Jung Mo Sung*
Eu terminei o artigo anterior afirmando que argumentos teóricos “a priori” –como, por exemplo, a negação da eternidade ou imutabilidade da atual ordem mundial– são necessários, mas não suficientes para mostrar a plausibilidade de um outro mundo e, ao mesmo tempo, motivar as pessoas a se engajarem neste luta. Por isso, é necessário refletir um pouco sobre as experiências históricas de ”outro mundo possível”.
Desde meados do século XIX até o final do século XX não havia dúvida de que o mundo poderia ser organizado de, pelo menos, duas formas: a capitalista e a socialista-comunista. É só depois da queda do bloco socialista, no final da década de 1980 e início da de 90, que toma força a idéia de que não há alternativas ao capitalismo. Por isso, é importante discutirmos aqui rapidamente as principais diferenças de organizar a sociedade no capitalismo e no socialismo.
Todas as sociedades humanas precisam resolver algumas questões básicas para a sobrevivência da sua população. Um setor fundamental é a produção e distribuição de bens materiais necessários para a reprodução da vida corporal, o campo da economia. Aqui entra a produção e distribuição de, por ex., alimentação, água potável, proteção contra intempéries do clima (roupas e habitação adaptadas às variações climáticas), segurança contra as ameaças que vem da natureza e de outras espécies de animais.
Na medida em que nenhum indivíduo consegue produzir todos esses bens necessários para a sua sobrevivência, a vida só é possível dentro de uma comunidade ou de grupo social. O conjunto de trabalhos necessários para produzir a “cesta básica” é dividido entre seus membros e surge então o desafio de coordenar esta divisão social do trabalho de tal forma que cada processo de trabalho se articule com outros e forme, ao final, um sistema que seja capaz de produzir, pelo menos, o mínimo necessário. Este processo de coordenação inclui também o processo de decisão sobre o que, quanto, como e para quem produzir.
Se a produção ficar abaixo do mínimo, –seja pela “pobreza” do meio ambiente, deficiência tecnológica ou problemas na coordenação e decisão– a fome é inevitável, pelo menos para uma parcela do grupo. A eficiência produtiva –o uso eficiente dos meios disponíveis para produzir os bens necessários– e a correta ou justa distribuição dos frutos do trabalho se tornam questão de vida e morte para os membros da comunidade.
O mundo moderno se diferencia do mundo feudal pela busca consciente e sistemática do desenvolvimento tecnológico no campo produtivo, do aumento da divisão do trabalho (aumento da especialização) e comércio de longa distância (ampliação do sistema econômico). Com isso, a noção de eficiência produtiva e aumento da riqueza passaram a ser fundamental na sociedade, acima das noções de honra ou deveres para com a família.
"...o tempo mostrou que planejamento centralizado
de todas as atividades econômicas pelo Estado
é insustentável a médio e longo prazo
por conta do aumento da ineficiência
e da incapacidade de atender
de modo eficiente as novas necessidades
e desejos pessoais e sociais que surgem
após a satisfação das
necessidades básicas."


O capitalismo “nasce” neste processo impondo o mercado como o principal, se não o único, coordenador da divisão social do trabalho. As perguntas “o quê, como, quanto e para quem” produzir deveriam ser respondidas pelo mercado. Isto é, –como dizia um famoso economista, Paul A. Samuelson–, as mercadorias devem ir para onde há mais “votos” em dólares. Por isso, leite pode ir para cachorros de Rockfeller, ao invés de uma criança pobre desnutrida, porque é lá que há mais votos atraindo o leite. Samuelson reconheceu que isso era terrível em termos éticos, mas que era a forma mais eficiente de organizar a economia complexa. E contra a eficiência econômica não há argumento!
Marxismo e socialismo são reações a isso propondo uma forma “racional” de organizar a economia, ao invés de sermos submetidos aos caprichos do mercado. Após a revolução soviética, essa “forma racional” foi entendida como planejamento centralizado de todas as atividades econômicas pelo Estado comunista. Assim, leite iria para a criança desnutrida por mais que um rico quisesse dá-lo para seu cachorro. O atendimento das necessidades sociais seria colocado como o objetivo final da economia, e não mais o aumento da riqueza; por isso, social-ismo. Essa foi a principal razão para que tantas pessoas de mundo inteiro aderissem com tanto entusiasmo à proposta socialista.
Num artigo curto, não é possível aprofundar as razões do por que o bloco socialista caiu, mas é possível dizer que a situação social das primeiras gerações pós-revolução de países socialistas, como Cuba, melhorou significativamente, especialmente para os mais pobres. Entretanto, o tempo mostrou que planejamento centralizado de todas as atividades econômicas pelo Estado é insustentável a médio e longo prazo por conta do aumento da ineficiência e da incapacidade de atender de modo eficiente as novas necessidades e desejos pessoais e sociais que surgem após a satisfação das necessidades básicas.
Por isso, é preciso aprender com experiências históricas para ver quão “outro”, quão diferente do mundo que vivemos hoje, pode ser a outra sociedade possível. (a continuar)

OBS. do Blog: O primeiro artigo vc encontra aqui: http://zelmar.blogspot.com/2011/07/outro-mundo-possivel-e-possivel.html  
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* Jung Mo Sung é coordenador do curso de pós-graduação em Ciências da Religião, na Universidade Metodista de São Paulo, e também autor, junto com Hugo Assmann, do livro “Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres”, Paulus. twitter: @jungmosung]
Fonte: Adital on line, 21/07/2011

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