Hélio Schwartsman*
"Being Mortal" (sendo mortal) é um livro de não
ficção sobre o tema mais deprimente que se pode imaginar: a decadência
física e mental que precede a morte. Ainda assim, nós o lemos com a
mesma avidez com que se devora um romance de mistério. O fato de
sabermos a priori que os protagonistas morrerão nem chega a atrapalhar.
A principal razão é que seu autor, Atul Gawande, cirurgião, professor em
Harvard, escritor e jornalista da "New Yorker", tem amplo conhecimento
do assunto e sabe como ninguém cativar o leitor. Ele se vale de casos de
idosos e de pacientes terminais, incluindo tocantes experiências
autobiográficas, para mostrar que, no Ocidente, nós perdemos o que os
medievais chamavam de "ars moriendi", a arte de morrer bem.
O problema central, diz Gawande, é que a medicina obteve sucesso em
tantas esferas que acabamos delegando a ela também os cuidados com o
envelhecimento e a morte. Só que a maioria dos profissionais de saúde
não está preparada para lidar com esses dois processos, que são
irreversíveis.
O resultado é que criamos uma estrutura que esvazia de sentido os
momentos finais. Para evitar que idosos se machuquem, roubamos-lhes o
que ainda têm de autonomia, confinando-os a asilos e hospitais. Para
tentar prolongar a vida de pacientes de câncer, submetemo-los a
tratamentos com pouca chance de sucesso e que acabam com a qualidade da
vida que lhes resta.
Obviamente, não há solução para esses problemas. A perda de autonomia
faz parte do envelhecimento e o câncer mata de forma muitas vezes cruel.
Ainda assim, é possível estabelecer as prioridades de cada paciente e
tentar atendê-las, deixando com que tenham o máximo de controle sobre
seu destino. Gawande mostra não só como isso pode ser feito mas também o
impacto positivo que tem sobre o bem-estar de pacientes, familiares e
do sistema de saúde.
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* Hélio Schwartsman é bacharel em filosofia, publicou 'Aquilae
Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão' em 2001.
Escreve de terça a domingo.Fonte: Folha online, 26/10/2014
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