O professor Marcos Nobre
"A eleição acirrou a luta de classes. Estamos num momento em que a
democracia brasileira tem que se decidir se vai se aprofundar ou se vai
continuar patinando. As instituições até agora funcionaram para bloquear
a diminuição da desigualdade no país. É a ideia de que todo mundo tem
que andar em bloco para que todos fiquem mais ou menos onde estão."
As ideias são de Marcos Nobre, doutor em filosofia pela Unicamp. Para
ele, as eleições foram "uma guerra em torno da grade de classes do
país": o que está em jogo é a manutenção ou não dessa grade.
Nobre participou na noite desta terça (28) de debate sobre eleições no
16º encontro nacional da Anpof (Associação Nacional de Pós-Graduação de
Filosofia) que ocorre nesta semana em Campos do Jordão (SP). Para ele,
"as revoltas de junho abriram um horizonte que parecia fechado, e essas
eleições já são expressão de que alguma coisa mudou no sistema
político".
Uma das coisas mais extraordinárias de 2014 "é que a direita trocou os
blindados do Exército por blindados privados –esses carros enormes, que
parecem militares, e que têm o adesivo do Aécio".
Sua fala arrancou aplausos e risos da plateia (mais de 350 pessoas) que lotou a sala.
"Fico feliz que exista uma direita no Brasil que ache que a rua é dela. É
um avanço democrático enorme, mas pode haver formas de convivência na
rua menos brutais. A direita descobriu que a rua é dela também em junho
de 2013, quando a esquerda também descobriu que pode ter mobilização de
massa", disse.
ÓDIO
Alguém perguntou sobre o ódio na eleição: "Estou contente que esse ódio
tenha aparecido nesta eleição, porque não aguentava a pasmaceira de
antes. É uma coisa que deve ser cultivada. Não devemos recuar de medo,
dizendo que isso é muito perigoso. É preciso ver esse ódio como
manifestação de uma sociedade que quer aprofundar sua democracia.
Redemocratizar demorou 30 e poucos anos; democratizar espero que demore
séculos. Mas junho de 2013 foi um bom começo".
Nobre expôs sua tese sobre o peemedebismo, nome que dá ao bloco
conservador no país. Reunindo múltiplas forças políticas e formando um
bloco hipermajoritário no Congresso e na sociedade, o peemedebismo
surgiu como forma de afastar golpes do início da redemocratização. O
processo de impeachment, em 1992, reforçou a ideia da necessidade do
blocão, sem oposição forte, para garantir a governabilidade –uma marca
do governo FHC.
Para ele, Lula ocupou esse bloco pela esquerda, desidratando a oposição:
"O sistema político funciona num grande condomínio peemedebista: é
sempre o mesmo bloco, o que muda é o sindico". Em 2014, porém, a
polarização está de volta: "Voltamos a ter pelo menos a disputa, para
valer, pelo posto de síndico".
Do outro lado da mesa de debates na Anpof, visão divergente foi exposta
por João Carlos Brum Torres, professor de filosofia em Caxias do Sul
(RS). Ele está preocupado com a divisão do país.
"Vejo duas derivas que seriam desastrosas para nós. Uma se o governo
fizer uma deriva argentina ou bolivariana, de conflito com setores
conservadores, a imprensa. Se for por esse lado, as coisas vão se
agravar e gerar uma crise aguda. Espero que não ocorra. A outra deriva é
ressuscitar o lacerdismo. Lula usou bem essa palavra."
Para Brum Torres, esse risco de lacerdismo não viria das grandes
lideranças do PSDB, mas da opinião pública: "Especialmente em São Paulo
há uma voz de repúdio absoluto e completo. Aqui, no núcleo do
capitalismo brasileiro, há uma profunda insatisfação com o sistema de
representação política".
Ele ressaltou que Aécio não é Carlos Lacerda, mas aponta radicalização
nas redes e na mídia: "Especialmente nas revistas semanais há uma
posição extremamente agressiva de deslegitimação e desmoralização do
governo. Isso é um elemento de tensão muito agudo e vai criando um clima
de insatisfação que é potencialmente ensejador de um agravamento da
crise".
Ele diz não ver possibilidade de ruptura agora, mas lembra que o Brasil
"não tem tradição de resolver bem situações muito tensionadas".
A seguir, Nobre alfinetou o centro econômico do país: "São Paulo tem que
acabar com seu complexo de bandeirante". Brum Torres deu sua explicação
para o oposicionismo paulista: "São Paulo sempre foi muito poderoso e
nunca esteve propriamente mandando no Brasil. Isso desde 1930, quando se
separou o centro do poder econômico do centro político. Dilma é
intolerável para São Paulo por causa disso, porque acentua essa
distância".
Ligado ao PMDB gaúcho, ele divergiu de Nobre: "[Eles] Cumprem uma função
estabilizadora no país, que é muito importante e vai continuar".
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Reportagem por ELEONORA DE LUCENA
DE ENVIADA ESPECIAL A CAMPOS DO JORDÃO (SP)
DE ENVIADA ESPECIAL A CAMPOS DO JORDÃO (SP)
Fonte: Folha online, 30/10/2014
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