Ataques antissemitas deflagram sensação de insegurança
entre judeus
Por JIM YARDLEY
SARCELLES, França - Dos enclaves imigrantes da periferia parisiense até a
cidade burocrática de Bruxelas, passando pelo coração industrial da
Alemanha, o velho demônio da Europeu reapareceu recentemente. "Morte aos
judeus!" gritaram manifestantes em protestos pró-palestinos na Bélgica e
na França. "Botem os judeus no gás!" gritaram manifestantes num
protesto semelhante na Alemanha.
Houve violência ainda pior que as ameaças. Em maio, quatro pessoas foram
mortas a tiros no Museu Judaico de Bruxelas. Uma farmácia de
proprietário judeu em Sarcelles, na periferia de Paris, foi destruída em
julho por jovens que protestavam contra as ações de Israel na faixa de
Gaza. Bombas incendiárias foram encontradas numa sinagoga em Wuppertal,
Alemanha. Um judeu sueco foi espancado com tubos de ferro.
Incidentes como esses estão provocando alarme com a ascensão do "novo
antissemitismo", nas palavras do premiê francês, Manuel Valls, levando
judeus a se perguntar se a Europa ainda é um lugar seguro para eles.
Mais judeus estão emigrando para Israel. Outros descrevem zonas
"proibidas" nos distritos muçulmanos de muitas cidades europeias,
lugares por onde judeus não se atrevem a transitar.
A Europa tem assistido a protestos e explosões de antissemitismo sempre
que o conflito israelo-palestino entra em erupção, e alguns analistas
dizem que as manifestações de cólera deste verão representam um episódio
cíclico que, como outros, vai desaparecer.
Algumas pessoas observam que o número de incidentes de antissemitismo
denunciados este ano na França, por exemplo, foi bem inferior a alguns
anos na década passada. Mas também há receios quanto ao que alguns veem
como um viés antissemita insidioso, "mais brando", que eles temem que
esteja penetrando na opinião mais geral.
"O medo é porque agora coisas estão sendo ditas abertamente e ninguém se
surpreende com isso", disse Jessica Fromer, 36, judia secular de
Bruxelas. "A Europa moderna é baseada no esforço de impedir a repetição
do que aconteceu na Segunda Guerra Mundial. E agora, 70 anos mais tarde,
pessoas se postam perto do Parlamento Europeu gritando 'morte aos
judeus!'."
Líderes franceses condenam fortemente a violência antissemita recente.
No mês passado a chanceler Angela Merkel, da Alemanha, comandou um ato
público em Berlim contra o antissemitismo. Contudo, ao mesmo tempo em
que a Europa endurece seu apoio à causa palestina e suas críticas a
Israel, muitos judeus dizem que a distinção entre ser anti-Israel e
antijudeus está se enfraquecendo.
Alguns judeus dizem que se sentem politicamente isolados, sem um lar
ideológico. Muitos partidos políticos de esquerda são anti-Israel.
Muitos partidos de direita têm origens antissemitas. E muitos judeus que
votaram no Partido Socialista na França e Bélgica temem que esses
partidos estejam enfraquecidos, aumentando sua dependência dos blocos de
eleitores muçulmanos, que crescem rapidamente.
Mesmo entre aqueles que tendem a condenar o racismo sob qualquer forma, o
combate ao antissemitismo já deixou de ser visto como prioridade; os
judeus muitas vezes são vistos como privilegiados, comparados a
muçulmanos e minorias discriminadas.
Muitos muçulmanos mais jovens frequentemente parecem alienados na
Europa. Com dificuldade para encontrar trabalho e frustrados por não
serem aceitos, um grupo pequeno, mas articulado deles se deixou inflamar
pela política do Oriente Médio, especialmente o conflito
israelo-palestino.
O muçulmano francês Mehdi Nemmouche, preso em conexão com as mortes no
Museu Judaico de Bruxelas, combateu como jihadista na Síria.
"O Oriente Médio está sendo importado para a Europa", comentou Philip
Carmel, diretor de política europeia no Congresso Judaico Europeu.
"Nos últimos quatro ou cinco anos temos sentido uma insegurança
crescente", comentou David Harroch, gerente de uma livraria judaica em
Petite Jerusalem, o bairro comercial judaico de Sarcelles, na periferia
de Paris. "Muita gente já foi embora."
Autoridades israelenses dizem que até 6.000 judeus vão migrar da França
para Israel este ano. Em Sarcelles, muitos judeus e muçulmanos cresceram
lado a lado sem rancor.
A pouca distância de uma das mesquitas da cidade há um pequeno empório
pertencente a muçulmanos. Recentemente, um dos donos do estabelecimento,
Abdel Badaz, estava atrás do balcão com um amigo de infância: Mickaël
Berdah, 36 anos, judeu cuja família emigrou da Tunísia décadas atrás. Os
dois criticaram o protesto.
"Quando você cresceu no bairro e conhece todo o mundo, não existe esse tipo de ódio", disse Berdah.
Do lado de fora, Diakité Ismael, 19 anos, francês filho de imigrantes
senegaleses, também argumentou que em Sarcelles não existe hostilidade
entre muçulmanos e judeus locais. Perguntado sobre a faixa de Gaza,
porém, ele se agitou.
Ismael disse que viu um vídeo de uma bomba israelense atingindo um
funeral em Gaza. "Não sei como, alguns judeus controlam a política, a
informação, os negócios e as finanças", afirmou. "Não estou falando dos
judeus daqui, estou falando dos judeus de maneira geral."
O incidente de maio em que quatro pessoas foram baleadas no Museu
Judaico de Bruxelas -e a subsequente prisão de Nemmouche- atraíram
atenção internacional porque quatro pessoas foram mortas, duas das quais
eram israelenses. Mas houve incidentes menores, também: um comerciante
turco em Liège que fixou um cartaz em sua loja dizendo que serviria
cachorros, mas não judeus; uma voz no sistema de comunicação de um trem
suburbano que anunciou uma parada como sendo "Auschwitz" e ordenou que
todos os judeus descessem.
"Este ano, comecei a enxergar o mundo com outros olhos", contou o
italiano Marco Mosseri, 31, que trabalha na indústria automotiva em
Bruxelas. "Fiquei com medo. Passei várias noites sem dormir. Pela
primeira vez, pensei que posso morrer devido à minha religião."
No dia 14 de setembro, quando pessoas se reuniram para dedicar uma placa
no memorial do Holocausto, jovens ficaram atirando pedras e garrafas
até a polícia chegar. Três depois, um incêndio ardeu no andar superior
de uma sinagoga no bairro de Anderlech, em Bruxelas.
Gerações de imigrantes muçulmanos e seus descendentes hoje representam
aproximadamente um quarto da população de Bruxelas. A comunidade judaica
é pequena: 20 mil pessoas, quase todas assimiladas, judeus seculares
como Mosseri.
Um relatório recente de duas organizações judaicas europeias observou
que 40% dos judeus europeus ocultam sua condição judaica. Alguns judeus
pararam de usar um colar com a Estrela de Davi ou não deixam mais seus
filhos usar camisetas próprias de um acampamento de férias judaico
quando andam nos ônibus ou trens públicos.
Desde o início do conflito em Gaza, neste verão, muitos descrevem as
mídias sociais, especialmente o Facebook, como um pantanal de ódio.
Na Itália, ativistas de extrema direita foram vistos como culpados por
uma onda de pichações antijudaicas. Em Roma, em agosto, um grupo de
extrema direita distribuiu folhetos convocando o boicote de pelo menos
40 lojas pertencentes a judeus.
Michaël Privot, diretor da Rede Europeia Contra o Racismo, disse que a
atribuição do antissemitismo apenas aos setores islâmicos ignora os
estudos acadêmicos que mostram que o antissemitismo continua
profundamente entranhado entre todos os belgas, além de outros europeus.
"Basicamente, o que temos é uma oportunidade de ouro para a direita
extrema atribuir o antissemitismo aos muçulmanos e declarar-se
inocente", disse.
Os artefatos usados na tentativa de incendiar uma sinagoga em Wuppertal
não funcionaram como se pretendia, mas tiveram um impacto. "Para os
judeus na Alemanha, isso tem um significado muito profundo", comentou
Artour Gourati, empresário local e membro da sinagoga. "Sinagogas estão
sendo incendiadas à noite na Alemanha."
Líderes religiosos da cidade reagiram rapidamente. Imãs e pastores
cristãos correram até a sinagoga para declarar seu apoio. Mais de 300
pessoas compareceram a uma reunião de paz no dia seguinte.
"Uma ameaça a uma de nossas casas religiosas é uma ameaça a todos nós", disse um líder muçulmano local, Samir Bouaissa.
Em outubro os líderes religiosos da cidade levaram outro susto: um grupo
de homens percorreu um bairro muçulmano dando aulas de moral a jovens,
trajando paletós cor de laranja com os dizeres "Polícia da Sharia".
Nos últimos anos, Leonid Goldberg, o líder comunitário da sinagoga de
Wuppertal, aproveitou a festa de Rosh Hashaná para lançar um aviso sobre
a ascensão do antissemitismo entre muçulmanos extremistas. "Ninguém
queria ouvir", disse.
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Fonte: Folha online, 21/10/2014
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