O economista francês Thomas Piketty
As controversas teses em "O capital no século 21", do economista francês, provocaram críticas, mas
também elogios entusiásticos.
"Os ricos ficarão sempre cada vez mais rapidamente mais ricos, pois
dispõem de um estoque de rendimentos de capital que traz
significativamente mais rendimentos do que o trabalho." "Para a maioria
da população, em contrapartida, os rendimentos dos salários não são mais
suficientes para que criem reservas."
Com tais teses, o francês Thomas Piketty vem gerando furor
internacional. Ele é professor de economia da Paris School of Economics e
da École des Hautes Études en Science Sociales (EHESS), e vive na
capital francesa, com a esposa e três filhas. Tendo lecionado no
Massachusetts Institute of Technology (MIT), entre outros, há 20 anos
ele se ocupa dos temas renda, capital e justiça social.
Seu best-seller Le capital au 21e siècle(O capital no século 21), publicado em 2013, está sendo lançado este mês na Alemanha.
DW: Seu livro é um sucesso de público. Quantas cópias foram vendidas, até agora?
Thomas Piketty: Em inglês e francês, juntos, 800 mil. Em inglês, foram 600 mil.
DW: O senhor acredita que vai conseguir influenciar algo com seu livro?
TP: Minha intenção era convencer o leitor de que os temas
renda e prosperidade são importantes demais para serem simplesmente
relegados aos estatísticos e economistas. Meu objetivo foi fornecer
fundamentos históricos aos leitores, para que possam fazer seus próprios
julgamentos. Porém se trata de ciências sociais, no sentido mais amplo,
que não são uma ciência exata. Por isso, também não espero que todos os
leitores concordem comigo.
DW: Como o sistema econômico deve ser melhorado, para que os assalariados voltem a ter maiores rendimentos com seu trabalho?
TP: Há diferentes soluções. A longo prazo, investindo na
educação. Universidades são um instrumento muito poderoso para reduzir a
desigualdade. Um dos principais problemas da Europa é que investimos
mais dinheiro na redução das nossas dívidas públicas do que na formação
universitária. Isso não é bom presságio para o futuro. Deveríamos
investir mais nas universidades.
DW: Que outras soluções existem, para que o valor do trabalho cresça?
TP: A tributação progressiva dos altos salários e rendimentos
de capital também é importante. Precisamos, portanto, de um sistema
tributário que tribute menos aqueles que só vivem de seus salários e
entram na vida sem capital nem prosperidade.
DW: Com isso, chegamos à sua declaração central, de que
hoje em dia muitos assalariados só conseguem sobreviver com os seus
salários. Por que é assim?
TP: No início da geração dos baby boomers[os nascidos
no pós-guerra, entre 1946 e 1968], também era possível reservar
poupanças, a partir do salário. Pois, com as altas taxas de crescimento
econômico, era possível partir do zero e depois, trabalhando, chegar a
uma relativa prosperidade e acumular reservas.
No entanto, para as atuais gerações, se você quiser poupar numa
cidade grande, então precisa ter um salário muito bom. No entanto,
quando se tem uma taxa de crescimento de apenas 1,5%, isso significa que
os rendimentos com capital ainda são de 4% a 5% – ou mais, nos
investimentos de risco, cerca de 7%, no caso das ações. Com isso, as
desigualdades iniciais são reforçadas.
DW: Com que consequências?
TP: Esse estado de coisas reduz a mobilidade social numa
sociedade. E, no entanto, a chance de subir à classe rica é uma boa
coisa para a eficiência da economia e para o empreendedorismo. A esse
respeito, Warren Buffet disse certa vez: ninguém quer que, dos Jogos
Olímpicos de 2030, só participem os filhos das equipes de 2000.
DW: O senhor colheu dados dos principais países
industrializados e emergentes. São, em maioria, estatísticas de órgãos
fiscais. Mas na Alemanha, a riqueza sequer é registrada nas
estatísticas.
TP: Precisamos de mais transparência sobre rendimentos e
riqueza. E o resultado de uma tributação progressiva do capital e rendas
também seria podermos exigir informações confiáveis sobre os grupos de
renda.
DW: O senhor defende que haja impostos internacionais. Mas
como isso funcionaria? Afinal, os países da União Europeia competem
entre si por investidores e capital, com os menores impostos possíveis.
TP: O senhor está certo com esta suposição. Se cada país
mantiver seu próprio sistema fiscal, vai ser muito difícil. O resultado é
que, já agora, as multinacionais pagam relativamente menos impostos do
que empresas pequenas e médias. A Alemanha, França e Itália competem
para atrair investidores. Isso permite que os grandes conglomerados
joguem com os diferentes sistemas fiscais, conseguindo, no final, pagar
impostos relativamente mais baixos. Isso não é ruim somente para o
tratamento igualitário, mas também para o crescimento e a eficiência da
economia.
DW: Então, o que sugere?
TP: A solução é muito simples: precisamos de uma política
fiscal comunitária. Não é possível, com uma moeda única, como o euro,
que mantenhamos simultaneamente 18 sistemas fiscais diferentes, que
competem uns com os outros, com 18 diferentes dívidas públicas e 18
diferentes taxas de juros dos títulos estatais. Precisamos, portanto,
uma união fiscal e política muito mais coesa na Europa, começando com um
pequeno grupo de países e depois, com vários.
DW: De onde o senhor tira o otimismo de que isso venha a funcionar?
TP: Durante a coleta de informações sobre depósitos de capital
dos bancos, conseguimos obter essas informações, mas isso leva tempo e
exige uma disposição para se implementar sanções. Não podemos pedir
educadamente que os paraísos fiscais deixem, finalmente, de ser paraísos
fiscais. Na Europa, fomos extremamente ingênuos em nossa abordagem. A
Suíça agora fornece automaticamente informações bancárias sobre seus
clientes. E isso apenas porque os Estados Unidos impuseram sanções
contra os bancos suíços.
DW: Quais são as consequências para a classe média do acúmulo de capital nas mãos dos mais ricos?
TP: Precisamos de uma classe média forte, para o crescimento e
para o funcionamento da democracia. Europa ainda é estruturada de forma
mais igualitária do que um século atrás, e mais igualitária ainda do
que os Estados Unidos. Mas nos EUA, a concentração de renda e riqueza é
tão forte que muitos acreditam que isso poderia comprometer a
democracia. Grupos individuais poderiam dominar a política. Nos EUA, há
dinheiro privado ilimitado na política. Esse é um problema real.
DW: Como o senhor avalia a situação econômica na Europa e nos EUA?
TP: Em Paris e na zona do euro, a economia está estagnada, as
taxas de crescimento tendem a zero, assim como a inflação. O desemprego
está aumentando. O que acho particularmente triste é que nossa dívida
pública inicial não era mais dramática do que nos EUA, no Reino Unido ou
no Japão. Mas aqui permitimos com que a grande crise da dívida
desembocasse numa crise de confiança, esse é o nosso principal problema.
DW: Como esses problemas se manifestam para as pessoas na rua?
TP: Em alguns países europeus, um quarto da geração jovem está
desempregado. E mesmo quando as pessoas têm uma renda, é extremamente
difícil formar capital. O grande perigo na Europa é que cada vez mais
gente tem a impressão de que a globalização não está funcionando para
elas ou de que os ganhos dos donos do capital são desproporcionalmente
grandes. Acho isso perigoso, pois favorece aos movimentos extremistas.
DW: Os adeptos de uma ordem econômica liberal dizem que no
momento dinheiro suficiente está sendo impresso e distribuído de forma
justa, e que os altos lucros do capital não são simplesmente tomados dos
trabalhadores.
TP: Mas a questão é: será que é bom para a eficiência do
sistema econômico os executivos ganharem 10 milhões de dólares? Eu
estudei os dados de cuidadosamente e não encontrei nenhuma prova de que
isso faça sentido. Afinal de contas, são os custos com que o resto da
economia arca, e que incidem sobre os salários baixos e médios.
- Autoria Christian Pricelius (md)
- -----------
- por Deutsche Welle
—
publicado
22/10/2014 05:37
Charles Platiau/Reuters/Latinstock
- Fonte: Carta Capital online, 22/10/2014
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