Marcelo Gleiser*
A busca pelo conhecimento científico é assim: uma escalada por todos os picos que podemos encontrar
Outro dia, estava dando uma palestra, quando alguém me fez "aquela"
pergunta: professor, por que o senhor é cientista? Respondi que não
podia ser outra coisa, que considerava um privilégio poder dedicar minha
vida ao ensino e à pesquisa.
Mas o que de fato está por trás dessa profissão, ao menos para mim, é
uma oportunidade única para criarmos algo de novo, algo que nos
diferencie do resto.
A ciência oferece uma oportunidade para que possamos nos engajar com o
"mistério", como Einstein chamava nossa atração pelo desconhecido: "A
emoção mais significativa que podemos sentir é o mistério. Ela é o berço
da verdadeira arte e da ciência. Quem não a conhece e não é mais capaz
de se maravilhar, está mais morto do que vivo, como uma vela que se
apagou".
Einstein pôs as artes e as ciências sobre o mesmo patamar, frutos que
são da criatividade humana. Para ele, nossas criações são produto desse
questionamento incessante sobre quem somos e sobre o mundo à nossa
volta.
A ciência abre portas para o desconhecido, para o que nos foge aos
sentidos. Aquilo que não vemos ou ouvimos é tão real quanto o que
percebemos. Usamos instrumentos variados para amplificar nossa percepção
da realidade, mesmo sabendo que nossa visão será sempre limitada:
qualquer microscópio, telescópio ou detector tem alcance e precisão
determinados pelo estado da tecnologia. É claro que um telescópio do
século 19 não pode competir com os telescópios mais avançados de hoje.
Com isso, o que captamos da realidade depende de forma essencial daquilo
que nossos instrumentos nos permitem ver.
Esse fato tem uma consequência importante: o que captamos do mundo
depende das tecnologias que usamos. Ou seja, com o avanço delas, muda,
muitas vezes, nossa visão de mundo. Um exemplo que já usei aqui é o
microscópio. A visão da vida antes e depois da invenção do microscópio
mudou completamente. O instrumento, inventado ao fim do século 17,
permitiu que víssemos criaturas invisíveis aos olhos. Com isso, novas
perguntas sobre a natureza da vida puderam ser feitas --perguntas que,
antes da invenção do microscópio não eram nem vislumbradas.
Essa é uma lição importante, que elaboro no livro "Ilha do
Conhecimento": o conhecimento não evolve linearmente; cresce de forma
imprevisível, interagindo com as tecnologias que temos ao nosso dispor.
Portanto, o mistério que nos cerca, e que tanto fascinava Einstein,
estará sempre à nossa volta: não há como decifrá-lo por completo.
Isso dá uma conotação única à ciência. Sendo um caminho para o
conhecimento, ela nos oferece uma oportunidade de estar sempre buscando,
e crescendo com a busca.
O sentido da vida é dar sentido à vida. Não existe, ou deve existir, um
fim. Pense num alpinista. Ele se prepara para subir o pico que vê à sua
frente e, depois de muito esforço, consegue. De lá de cima, pode fazer
duas coisas: se dar por satisfeito e descer, ou olhar em torno e ver
todos os picos que ainda não escalou.
A busca pelo conhecimento científico é assim: uma escalada por todos os
picos que podemos encontrar. E quando conquistarmos todos eles, basta
olhar para cima, e continuar nossa busca no espaço.
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