Foi o depoimento da atriz Odete
Lara que me despertou. Ela dizia que a morte é o próximo tabu a ser
quebrado na nossa sociedade, depois do sexo. Tabu ou não, é raro se ver
discussões na mídia sobre o tema. Tempos atrás não se escrevia a palavra
câncer nos jornais, muito menos orgasmo. Hoje escrevemos e falamos
sobre isso com total liberdade e criamos plataformas para esmiuçarmos os
mais variados assuntos como maternidade, vegetarianismo,
homossexualismo, finanças etc. Foi aí que surgiu a ideia de um blog para
tratar de um assunto pouco abordado, mas polêmico e complexo, tão
natural quanto estranho: a morte.
Sim, todos nós vamos morrer, um dia. Mas
no fundo ainda conto com a possibilidade de que esse dia nunca chegue.
Ela que exista, claro, longe de mim. O medo da morte é tema comum nos
ensaios filosóficos e psicanalíticos. Há uma linha de raciocínio,
defendida pelo antropólogo Ernest Becker (1924-1974) em seu premiado
livro “A Negação da Morte”, que afirma que a repressão do medo natural
da morte o transforma em pânico, refletindo em paranóias da nossa
sociedade, como a necessidade de heroísmo, de sermos especiais,
diferenciado dos demais.
O desconforto com a morte também pode
estar ligado à busca pela juventude eterna e ao afastamento dos doentes
do circuito social para o isolamento do hospital, em contraposição a um
costume não mais usual onde os familiares morriam e eram velados dentro
de casa.
A sociedade da juventude eterna negaria a morte e tudo relacionado a ela, inclusive as discussões a seu respeito.
Esse é um ponto de vista, mas chama
atenção ao colocar a repressão do medo da morte como uma característica
ocidental com repercussões negativas. Esse blog vê sua razão de existir
em encarar o tema e não reprimi-lo.
Essa me parece uma tendência inevitável.
Hoje em dia nos conectamos com o mundo pela internet, lemos notícias e
alimentamos um perfil virtual. A geração que viu tudo isso surgir ainda
está viva. A vida on-line em algum momento deverá pensar na morte e
abordá-la de forma sistemática, sem pudores, já que o perfil on-line não
morre naturalmente, mata-se.
Comentei com amigos e familiares sobre o
interesse em criar esse blog e as reações confirmaram o título deste
post. A morte é um tabu, um tema contagioso e de mau agouro. Aqui, vamos
jogar uma luz sobre ela explorando pensamentos nas áreas da filosofia,
psicologia, ciência e religião, além de prestar um serviço ao leitor, ao
trazer informações úteis a respeito das burocracias, da indústria que
gira em torno dessa atividade tão presente e tão repudiada.
Nos esforçamos para viver cada vez mais e
tem quem diga ser parte do desejo biológico de aperfeiçoamento humano.
Mas não há fuga da realidade indiscutível de que um dia deixaremos de
existir. E falar a respeito pode ser tão natural quanto o medo desse
destino inevitável.
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* Camila Appel é formada em administração de Empresas
pela EAESP-FGV e mestre em Antropologia e Desenvolvimento pela London
School of Economics (LSE).
Trabalhou com microcrédito no Unibanco e estagiou na ONU.
Em 2009, estudou dramaturgia na New York University e passou a se dedicar à escrita teatral.
Escreve romance de ficção científica e tem peças teatrais, com as já encenadas “A Pantera” (2009) e “Véspera” (2011).
Fonte: Folha online, 16/10/2014
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