quinta-feira, 16 de outubro de 2014

O próximo tabu a ser quebrado: a morte

 Camila Appel*
 
 
Foi o depoimento da atriz Odete Lara que me despertou. Ela dizia que a morte é o próximo tabu a ser quebrado na nossa sociedade, depois do sexo. Tabu ou não, é raro se ver discussões na mídia sobre o tema. Tempos atrás não se escrevia a palavra câncer nos jornais, muito menos orgasmo. Hoje escrevemos e falamos sobre isso com total liberdade e criamos plataformas para esmiuçarmos os mais variados assuntos como maternidade, vegetarianismo, homossexualismo, finanças etc. Foi aí que surgiu a ideia de um blog para tratar de um assunto pouco abordado, mas polêmico e complexo, tão natural quanto estranho: a morte.

Sim, todos nós vamos morrer, um dia. Mas no fundo ainda conto com a possibilidade de que esse dia nunca chegue. Ela que exista, claro, longe de mim. O medo da morte é tema comum nos ensaios filosóficos e psicanalíticos. Há uma linha de raciocínio, defendida pelo antropólogo Ernest Becker (1924-1974) em seu premiado livro “A Negação da Morte”, que afirma que a repressão do medo natural da morte o transforma em pânico, refletindo em paranóias da nossa sociedade, como a necessidade de heroísmo, de sermos especiais, diferenciado dos demais.

O desconforto com a morte também pode estar ligado à busca pela juventude eterna e ao afastamento dos doentes do circuito social para o isolamento do hospital, em contraposição a um costume não mais usual onde os familiares morriam e eram velados dentro de casa.

A sociedade da juventude eterna negaria a morte e tudo relacionado a ela, inclusive as discussões a seu respeito.

Esse é um ponto de vista, mas chama atenção ao colocar a repressão do medo da morte como uma característica ocidental com repercussões negativas. Esse blog vê sua razão de existir em encarar o tema e não reprimi-lo.

Essa me parece uma tendência inevitável. Hoje em dia nos conectamos com o mundo pela internet, lemos notícias e alimentamos um perfil virtual. A geração que viu tudo isso surgir ainda está viva. A vida on-line em algum momento deverá pensar na morte e abordá-la de forma sistemática, sem pudores, já que o perfil on-line não morre naturalmente, mata-se.
 
Comentei com amigos e familiares sobre o interesse em criar esse blog e as reações confirmaram o título deste post. A morte é um tabu, um tema contagioso e de mau agouro. Aqui, vamos jogar uma luz sobre ela explorando pensamentos nas áreas da filosofia, psicologia, ciência e religião, além de prestar um serviço ao leitor, ao trazer informações úteis a respeito das burocracias, da indústria que gira em torno dessa atividade tão presente e tão repudiada.

Nos esforçamos para viver cada vez mais e tem quem diga ser parte do desejo biológico de aperfeiçoamento humano. Mas não há fuga da realidade indiscutível de que um dia deixaremos de existir. E falar a respeito pode ser tão natural quanto o medo desse destino inevitável.
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* Camila Appel é formada em administração de Empresas pela EAESP-FGV e mestre em Antropologia e Desenvolvimento pela London School of Economics (LSE).
Trabalhou com microcrédito no Unibanco e estagiou na ONU.
Em 2009, estudou dramaturgia na New York University e passou a se dedicar à escrita teatral.
Escreve romance de ficção científica e tem peças teatrais, com as já encenadas “A Pantera” (2009) e “Véspera” (2011).
Fonte: Folha online, 16/10/2014
Imagem da Internet

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