Luiz Felipe Pondé*
Ninguém dá bola para corrupção em política. Nenhum estrato social. Nem rico nem pobre
Dito de forma direta, o que quero dizer hoje é: ninguém está nem aí para
corrupção em política. Nenhum estrato social. Nem rico, nem pobre, nem
culto, nem artista, nem inteligentinho. Pega bem dizer que se está, mas é
pura afetação de salão. Coisa de burguês. A prova é que com ou sem
Petrobras, no final, será servida uma grande pizza.
Escândalos se acumulam (e não me refiro apenas aos bolivarianos
atualmente no poder), mas ninguém está nem aí. Justificativas sustentam
toda e qualquer defesa de políticos ou partidos corruptos ou suspeitos
de corrupção. A democracia tem uma dimensão circense e as eleições são
seu clímax.
Sim, são afirmações céticas. O senso comum pensa que ser cético é
duvidar da existência de Deus. Isso é ceticismo de criança. Qualquer um
duvida da existência de Deus. Quem se leva muito a sério por isso é que é
meio bobo.
E a razão pra ninguém estar nem aí para corrupção é que nossa relação
com a política não é racional, como dizem que é. Somos mais facilmente
racionais quando compramos pão francês do que quando pensamos em
política. "Consciência política" é tão fetiche quanto "carma".
Não existe essa tal de consciência política, mas sim simpatias,
empatias, interesses, taras, fanatismo que travestimos de "consciência
política".
A única racionalidade possível na política é a de Maquiavel, que
continua sendo o filósofo da política mais sério até hoje: a razão da
política é a conquista e manutenção do poder a qualquer custo.
Desde o século 18 e a falsa afirmação de que a política redimirá o mundo
(pecado do suíço Rousseau), abriu-se um novo "mercado" das mentiras
políticas: aquele que diz que a política pode ser "ética".
A democracia tem uma vocação para a retórica, já dizia Platão. Mas,
reconheçamos, não há regime melhor. Nela, o circo das "escolhas éticas"
se acumulam ao sabor do marketing e das justificativas do que
preferimos.
Não votamos racionalmente. Votamos porque (na melhor das hipóteses)
algum candidato ou partido concorda, mais ou menos, com a "pequena"
teoria de mundo que temos.
Alguns de nós tem mais tempo e condição de trabalhar suas "pequenas"
teorias. Outros vão a seco e votam em quem eles acham que vai aumentar o
poder de compra deles (dane-se a corrupção) ou quem mais se encaixa na
visão de "um mundo melhor" (maior fetiche da política dos últimos 250
anos) deles (dane-se a corrupção).
Se acreditamos que a economia seja uma ciência do comportamento humano
que deve levar em conta coisas como "quem tem o que todo mundo quer
ganha mais" tendemos a crer que devemos levar em conta as "leis de
mercado". Quem crê que devemos "buscar formas mais humanas de produção e
igualdade" não crê nas "leis de mercado", mas sim que elas foram
inventadas pelos que gostam de explorar os mais fracos.
Mas, como a democracia é um regime baseado numa economia do
ressentimento, quem crê em "leis de mercado" é malvado e quem afirma que
elas podem ser negadas se quisermos fazer o mundo melhor é visto como
gente legal.
Se acho um candidato "fodão", arrumo razões pra votar nele. Se acho que o
Brasil precisa de um modo de vida "x", arrumo alguém que pareça
concordar comigo. Se acho o candidato alguém comprometido com a "justiça
social", ele pode até roubar. Se busco santos, direi: o Brasil precisa
de um choque de sinceridade na política.
A crença de que exista racionalidade na política é tão necessária para a
maioria das pessoas hoje quanto Deus é necessário para uma porrada de
gente. Os não-religiosos creem que olham o mundo de modo mais racional
porque não acreditam num ser invisível entre tantos outros. Mas,
acreditar que exista uma coisa chamada "consciência política" é também
um ato de fé.
Suecos votam para garantir seu tempo livre. Americanos para defender seu
quintal. Argentinos por masoquismo. Franceses para garantir a
aposentadoria. Ingleses já não sabem se são pós-cristãos ou
neomuçulmanos.
E brasileiros votam porque querem mais Estado nas suas vidas. Mais Bolsa
Família e mais bolsa empresário. Em mil anos rirão de nossa fé na
democracia.
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* Filósofo. Escritor.
Fonte: Folha online, 06/10/2014
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