José Padilha*
Henry David Thoreau escreveu em "Vida sem Princípio": "O que se chama de
política é algo tão superficial e desumano que eu sequer consigo
imaginar que tenha a ver comigo".
E depois, em "A Desobediência Civil": "Nenhum homem está obrigado à
erradicação de qualquer mal, mesmo que seja o mais terrível deles... Mas
todo homem tem a obrigação de limpar as mãos e não dar apoio a mal
algum".
A posição do americano Thoreau (1817-1862), construída a partir de uma
concepção individualista e extremada da ética —ele foi preso por não
pagar impostos a um Estado que aceitava a escravidão—, é inexistente no
Brasil, onde impera um pragmatismo escroto.
Acho que seria bom se algum político, artista ou intelectual brasileiro
assumisse postura semelhante à de Thoreau. Desse ponto de vista, dar
apoio a Aécio ou a Dilma, ao PSDB ou ao PT/PMDB, seria dar apoio à
desonestidade e à truculência que constituem a campanha de ambos.
Afinal, dos dois lados existem acordos com políticos desonestos,
doadores de campanha para lá de suspeitos (há quem diga que há caixa
dois proveniente do desvio de recursos públicos), propagandas eleitorais
mentirosas e uma falta de integridade intelectual acachapante.
Dadas as circunstâncias descritas acima, Thoreau bateria de frente com
os artistas e intelectuais brasileiros que fizeram questão de declarar
seu voto neste ou naquele candidato.
Diria que sacrificaram a sua integridade ética e intelectual em função
de escolhas medíocres (quaisquer que sejam elas), feitas à margem dos
acontecimentos que realmente importam ao país.
DISPUTAS
E que acontecimentos seriam esses? Thoreau era amante do individualismo
radical. Ele valorizava, acima de tudo, atitudes advindas do
inconformismo ético e moral. À cabeça me vêm dois juízes: Sergio Moro e
Joaquim Barbosa. Foram eles que, para horror da nossa classe política,
documentaram como a banda toca no governo, no Congresso e nas empresas
estatais.
Pergunto: será que a banda toca do mesmo jeito nos Estados e nos
municípios? Será que no Brasil, fornecer para o governo ou para empresas
estatais é assinar certificado de suspeição?
Uma coisa é certa: a cada ciclo eleitoral, seja no âmbito federal,
estadual ou municipal, no Executivo ou no Legislativo, há no Brasil uma
disputa ferrenha por posições que conferem, para este ou para aquele
grupo político, o poder de influir nas decisões relativas aos gastos
públicos.
Disputa-se, sobretudo, o poder de indicar (para cargos-chave) gente
especializada em aumentar o "preço" de obras, em receber "kick-back"
(propina) de fornecedores e em distribuir recursos via doleiro. É assim
que se irriga o caixa dois dos partidos, é assim que se compra apoio
político (mensalões) e é assim que se financiam as próximas eleições.
Tenho a impressão de que, sabedor de tudo isso, Thoreau conclamaria os
brasileiros a não comparecer às urnas. Teria a propaganda eleitoral
gratuita e os debates do segundo turno como argumentos a favor da sua
causa. Perguntaria: "E se os dois lados tiverem razão quando falam um do
outro?".
A quem retrucasse que votar fortalece a democracia, Thoreau responderia:
as mudanças não virão desta política, virão de fora –de um processo de
desconstrução da mesma, movido por indivíduos sem filiação partidária.
Serão os juízes, os jornalistas, os intelectuais inconformados que,
estimulando a indignação de seus compatriotas, farão a diferença no
longo prazo.
Thoreau escreveu em a "Escravidão em Massachusetts": "O futuro do país
não depende de como você vota nas eleições"¦ Depende de que tipo de
homem sai da sua casa todos os dias".
Mas, como somos obrigados a votar, talvez só nos reste mesmo o
pragmatismo escroto –a opção de, engolindo nossa convicções éticas,
optar pelo mal menor (cada um tem o seu) e associar nossos nomes aos
PTs, PSDBs ou PMDBs da vida.
Se é isso, então vamos lá que hoje é dia de eleição: Marcelo Freixo e
cia. fecham com Dilma. Marina Silva e cia. com Aécio. Eu fecho com o
Thoreau. E você, fecha com quem?
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* JOSÉ PADILHA é cineasta, produtor e dirigiu filmes como "Tropa de Elite", "Ônibus 174" e "RoboCop
Fonte: Folha online, 26/10/2014
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