Em resposta a Papa que repercute mal-estar com o capitalismo e
busca de alternativas, poder global adotou estratégia astuta: em vez da
polêmica, o silêncio…
Laudato Si, a encíclica social apresentada por Francisco, foi
recebida por um sugestivo coro de elogios. Só destoaram alguns
representantes da direita norte-americana, como Jeb Bush, Rick Santorum e
outros, católicos e republicanos, para os quais “o Papa está vendendo
uma linha de socialismo de estilo latino-americano” e deveria ocupar-se
de “fazer as pessoas melhores, ao invés das questões que têm a ver com
política”.
Tanta unanimidade no elogio a um documento que critica com dureza o
sistema capitalista e o consumismo parece, pelo menos, estranha. Mais
natural seria que uma encíclica para a qual a solução da crise é
política, já que “o próprio mercado não garante o desenvolvimento humano
integral, nem a inclusão social” recebesse também a crítica de uma
longa fila de políticos, empresários, economistas, jornalistas e
religiosos que se alimentam do sistema e agora se fazem de distraídos,
ou lançam elogios formais. Gerentes, representantes e defensores do
sistema mencionado pela encíclica como causador de desastre humanitário e
ecológico – a quem seguramente não faltam motivos para mandar o Papa
“ocupar-se de outras coisas” – foram mais astutos que Jeb Bush. Calam-se
e esperam que a inércia conservadora, que também arrasta a igreja
católica, termine por inviabilizar a Laudato Si,como aliás já fez com outro documento de Francisco com fortes definições sociais, a Evangelii Gaudium.
Para comprovar a vigência desta estratégia, basta reparar nos elogios
parciais com que a encíclica foi recebida por empresários e jornalistas
que desde sempre defenderam as supostas virtudes da desregulamentação
liberal. Basta ver os sonoros silêncios dos políticos e meios de
comunicação que apregoam a necessidade de um retorno – este, sim,
disfarçado de “mudança” – às políticas de mercado e de ajuste dos anos
1990. Aconselhados pela “prudência política”, calam e esperam. Confiam
que Laudato Si será em pouco tempo, por ação ou omissão da igreja, tão invisível como Evangelii Gaudium. Um ano e meio depois de sua publicação, já poucos nos lembramos deste documento, que também fez os acomodados rangerem dentes.
Evangelli Gaudium, é preciso recordar, é o documento em que
Francisco diz que o desequilíbrio entre ricos e pobres “provém de
ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a
especulação financeira. Por isso negam o direito de controle dos
Estados, quando estes se encarregam de velar pelo bem comum”. Que fez a
igreja, que fizeram os bispos e padres para que esta ideia penetre na
consciência e resulte em ação? Uma primeira impressão é que fizeram
pouco ou nada. Esta atitude é demonstrada pela afirmação do diretor de
uma importante editora católica argentina, ao explicar sua decisão de
não publicar um livro sobre a encíclica. “Não vai vender, porque a Evangelii Gaudium não
foi incorporada pelos agentes pastorais”, afirmou ele. O diretor não o
disse, mas é claro que esta falta de penetração é consequência ou de uma
decisão expressa, ou do desinteresse de quem define as formas de agir
da instituição.
Apesar desta confissão, seria interessante comprovar a hipótese por
meio de um trabalho de sociologia religiosa, que verifique quantos
cursos ou seminários sobre a Evangelii Gaudium foram organizados
pela igreja católica; quantos documentos ou pregações dedicaram-lhe os
bispos; em quantas instruções pastorais sua difusão foi estimulada; em
quantas matérias das universidades católicas ela é estudada; quantas
paróquias organizaram alguma atividade inspirada na encíclica; quantas
organizações de laicos a tomam como referência para sua ação; de que
forma as Comissões de Justiça e Paz vêm trabalhando com ela etc etc etc.
Seria de esperar que a igreja, seus bispos e instituições trabalhassem de maneira que a Laudato Si não
seguisse o mesmo caminho obscuro e, pelo contrário, se convertesse no
que deve ser: um novo paradigma de evangelização. Mas é algo que está
por acontecer. Enquanto isso, a invisiblização da Evangelii Gaudim é
muito recente, e muito evidente, para não temermos que a história se
repita. E que se justifique, assim, a estratégia dos poderosos, que
mentem adesão ou calam… e esperam.
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Reportagem Por Rodolfo Luís Brardinelli, no Pagina 12 | Tradução: Antonio Martins | Do Outras Palavras
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