Ivo Poletto*
Papa durante visita à Bolívia. Foto: G.Jallasi | abi.bo
Aconteceu ontem, em Santa
Cruz de la Sierra, Bolívia, este encontro, e participar dele foi certamente um
privilégio. Afinal, perceber no rosto e na palavra do Papa sua alegria e
compromisso real com os empobrecidos em luta por seus direitos, é um
acontecimento histórico inédito. Para quem, como eu, sempre procurou descobrir
e vivenciar mensagens para a humanidade no pobre, andarilho e surpreendente
Jesus de Nazaré, é motivo de alegria presenciar a possibilidade real de um Papa
andar na direção de um seguimento integral daquele profeta.
Sua fala não foi anônima e
genérica, como costuma ser a reflexão doutrinária. Ao contrário, em diversas
oportunidades ele fez questão de lembrar os nomes das classes ou setores
sociais com quem estava dialogando, começando hora dos povos indígenas, hora
dos catadores de materiais recicláveis; em outro momento, dos camponeses sem ou
com pouca terra, ou das famílias sem teto, das crianças, dos idosos... E
dialogou refletindo sobre o que afeta a vida destes bilhões de pessoas do
planeta Terra, seja apresentando uma crítica transparente e radical dos que
estão causando o abandono, a exploração, a falta de alimento, de moradia, de
terra, de trabalho, seja refletindo sobre os direitos de todos e todas que
assumia como seus parceiros, lembrando que eles estão fundados na dignidade de
cada pessoa, e não nas falsas políticas de quem os anuncia como favores
concedidos por quem exerce um poder roubado dos cidadãos e cidadãs soberanos.
Com cuidadoso respeito
pela pluralidade religiosa, cultural e social dos representantes dos movimentos
sociais de quarenta países, Francisco – como sempre falaram dele as lideranças
– pediu licença para sugerir três prioridades para as ações conjuntas a serem
realizadas.
A primeira delas foi assim
formulada, e acolhida com intensos aplausos: colocar a economia a serviço da
vida de todos os seres humanos. Este anúncio foi ocasião de aprofundar a
crítica à economia neoliberal, que transforma o dinheiro e a riqueza em deus, e
tudo o mais em objeto de cobiça e exploração, incluídos os seres humanos,
descartados quando não servem aos seus interesses. Ao mesmo tempo, contudo, o
anúncio incluiu o reconhecimento firme do muito que os excluídos estão fazendo
em favor de outra economia, de corte solidário, e que já anuncia, seguramente,
ser possível um mundo com uma economia a serviço da vida.
A segunda proposta foi a
de que cuidemos da Mãe Terra. Mais uma vez, lembrou dos que não se importam com
isso e estão gerando uma situação ambiental insustentável, uma ameaça a todos
os seres vivos. E lembrou como têm sido ineficazes as conferências da ONU para
avançar em acordos para promover as mudanças que devem ser realizadas em favor
da vida da Terra e de condições favoráveis à vida. Por outro lado, reconheceu e
estimulou os movimentos sociais a caminharem na direção de práticas de relação
entre as pessoas e a natureza com a qualidade do Bem Viver – que não o "dar-se
bem”, insistiu - praticado e proposto pelos povos originários.
Por fim – como ele próprio
insistiu, depois de jocosamente dizer "que o padre fala muito tempo”, sugeriu a
terceira prioridade: precisamos mudar, precisamos avançar no processo de
mudanças. E para isso, destacou com insistência: vocês dos movimentos sociais
já fazem muito em favor da mudança, e podem fazer ainda mais. Na verdade, e
citando quase literalmente sua mensagem, "ouso dizer que está nas mãos dos
excluídos o futuro da humanidade”. Dizendo ainda mais claramente: a humanidade
do futuro, num planeta regenerado. O caminho das mudanças não vem nem virá dos
que colocam em risco a vida dos pobres e da Terra; não vem nem virá dos acordos
bilaterais ou mais amplos comandados por governos comprometidos com os
interesses dos que controlam a dominação neoliberal. Ele vem e já está
avançando nas práticas de vocês, e de muitos outros que, como vocês, querem e
realizam mudanças em sua vida, em suas organizações, em suas relações com a
natureza.
Como está na conclusão de
sua encíclica, sugerida por ele como mensagem a ser livremente acolhida, é
fundamental que as dificuldades das lutas não nos tirem a alegria da esperança.
Lembrem que vocês são os poetas de novas práticas políticas, sociais e
culturais; são vocês os criadores do novo. Sigamos juntos, e "contem sempre com
meu apoio”, e do apoio que desejo que todas as dioceses e outras instâncias
eclesiais deem aos movimentos sociais do mundo.
A conclusão foi de quem
praticou de forma excelente o macroecumenismo: "rezem por mim, e se tiverem
dificuldade de rezar, lembrem de mim e desejem que eu esteja bem”.
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* Assessor do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social, de Pastorais e Movimentos Sociais
Fonte: Adital online, 13/07/2015
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