quinta-feira, 9 de julho de 2015

Entrevista com Jean Plantu, cartunista do Monde

 Juremir Machado da Silva*
Aos 64 anos de idade, o cartunista Jean Plantu é um homem realizado e com a agenda lotada. Desde 1972 ele publica as suas charges no prestigioso jornal Le Monde. Desde 1985 os seus cartuns saem na capa desse que é um dos meios de comunicação mais famosos e influentes do mundo. Os seus desenhos saem também na revista L’Express, Nada lhe escapa: política, religião, costumes, comportamentos e absurdos das sociedades ditas civilizadas e racionais. Plantu é uma abreviatura de Plantureux, que, em français, significa copioso, abundante, farto. Um sobrenome adequado para um humorista generoso e fértil. Na sua longa trajetória de cartunista não lhe faltam polêmicas, processos, prêmios e grandes momentos. Yasser Arafat colocou a estrela de Davi sobre um desenho de Plantu. Shimon Peres rubricou uma charge antes assinada por Arafat. Plantu criou, com ajuda do secretário-geral da ONU, Kofi Annan, a Cartooning for Peace, organização pela defesa da liberdade de expressão. Os presidentes franceses são obrigados, volta e meia, a reagir às provocações certeiras e sempre divertidas do homem do Mundo. Plantu estará em Porto Alegre nos dias 8 e 9 de julho a convite da Aliança Francesa. Dará palestras na Casa de Cultura Mário Quintana quarta, 20 horas) e na Famecos/PUCRS (quinta, 10 horas). Depois, será uma das principais estrelas da Festa Literária de Paraty (FLIP). Nesta entrevista, em Paris, ele define o papel do cartunista, os seus desafios e até mesmo os seus limites.

Caderno de Sábado – o atentado a Charlie Hebdo mudou a sua maneira de trabalhar, afetou a sua forma de desenhar ou de ver o mundo e o humor?
Jean Plantu – Não. Continuo a fazer o que sempre fiz e como sempre fiz. Estou nessa atividade há muito tempo. Já é toda uma vida. Mas os acontecimentos envolvendo Charlie Hebdo me transformaram e afetaram como pessoa. Eu conhecia aquelas pessoas, acompanhava o trabalho delas. Perdi um amigo, o cartunista Tignous, entre elas. Impossível não se sentir atingido. Foi algo terrível. Esse atentado me perturbou, mexeu comigo e me fez, mais uma vez, pensar sobre o mundo no qual estamos vivendo. É uma época muito complexa.

CS – Há um limite para o humor?
Plantu – Estamos vivendo um tempo de explosão da intolerância. É preciso saber reagir e lidar com isso. A lei francesa permite caricaturar qualquer um. Nada pode impedir um humorista de satirizar, por exemplo, o profeta Maomé ou qualquer outro símbolo religioso. Um editorialista de jornal ou de revista pode, muitas vezes, nuançar alguma coisa. Aliviar. A característica do humor, entretanto, especialmente da charge, é forçar o traço, carregar no ataque, ir direto ao ponto, chegar ao limite, bater até mesmo um pouco abaixo da linha da cintura. Mas o leitor sabe que é uma caricatura. Tem consciência do que vê.

CS – Há quem sustente que o pessoal do Charlie Hebdo provocou demais, mexendo com um tema muito sensível e perigoso, brincando com fogo.
Plantu – Cada um tem a sua leitura. Sei, por experiência, que tudo e todos na vida têm um limite. Mas esse limite varia. Não conheço um só exemplo de cartunista que não se fixe um limite. Tenho rodado o mundo e conhecido muita gente. Em todos os lugares, há alguma coisa que não pode ser caricaturado. Uma vez, na Nova Zelândia, conheci um cartunista que parecia não ter limite. Mas, fiquei sabendo, que ele não mexia com os jogadores de rúgbi. Era o seu tabu. Todas as sociedades fixam as suas interdições. Cada um vê até onde deve ir.

CS – Quais os seus tabus?
Plantu – Por exemplo, a vida privada dos políticos. Isso não me interessa. Não me ocupo. Certa vez, no Brasil, tive uma interessante conversa com o cartunista Chico Caruso, a quem admiro. Foi na época da escolha do papa que seria Bento XVI. Caruso, assim que houve a confirmação da eleição do novo papa, começou a desenhá-lo e, de repente, fez uma suástica. Fiquei meio perplexo. Vai botar uma suástica? Essa foi a minha pergunta. Caruso me respondeu tranquilamente: ‘Ele não foi simpatizante do nazismo quando jovem?’ Respondi que sim, mas que isso já fazia muito tempo, o homem estava velho, quase aos 80 anos de idade. Eu não faria. Caruso fez uma observação muita boa: ‘Deixa o teu lápis pensar”.

CS – Como vê a sátira da religião de escritores como Michel Houellebecq?
Plantu – Quero insistir num ponto: a lei francesa garante a liberdade de expressão. Não podemos ceder em relação à preservação de certos valores. A liberdade de expressão e opinião é fundamental. Estamos passando por um tsunami de intimidação. Charlie Hebdo representava Maomé. Pode não fazer mais isso por decisão do seu diretor. É uma escolha. O humorista deve soltar tudo o que tem nas suas tripas. Não deve ficar trancado coisa alguma. Mas, para mim, há algo importante, uma espécie de fio condutor: o humor deve servir para criticar os costumes e ajudar a libertar pessoas, não para humilhar culturas. No Líbano, um cartunista foi advertido por um homem que se dizia descendente de Maomé e não queria ser objeto de caricaturas. O desenhista respondeu que o outro era político e que ele fazia sátira política. Cada um, portanto, no seu papel. Quando satirizo as normas que impedem meninas de irem à escola, quero ajudá-los a ter esse direito, não ofender esta ou aquela religião. Quando caricaturo o apedrejamento de mulheres, invisto contra esse ato, não contra uma religião. Sou um cartunista político. Cumpro a minha função. O humorista deve trazer algo à tona. Quando abordo um ataque a Gaza, não me volto contra um povo, mas denuncio o desrespeito aos direitos humanos. Quando exploro um ataque em Israel, quero focar o lado atroz da coisa. Criamos a Cartooning for Peace para usar o humor como instrumento de libertação e ajudar pessoas. Temos discutido com cartunistas do mundo inteiro o que fazemos e como fazemos o nosso fazer.

CS – O jornal Le Monde já o censurou?
Plantu – Há um limite muito claro no Monde que não posso ultrapassar. O diretor de redação sempre me diz que adora o meu trabalho, mas que é para eu não passar o sinal. Ou seja, não mexer com o sindicato dos gráficos. Se eles se ofendem, não há como imprimir o jornal. Eu sigo à risca essa recomendação.

CS – É mais fácil ser cartunista em governos de esquerda ou de direita?
Plantu – É muito duro fazer sátira política com qualquer governo. Faz parte da função. Afinal, o trabalho consiste em destacar o que não funciona. Mas, pensando bem, de certo modo, pode ser ainda mais difícil quando a esquerda está no poder, pois a esquerda no poder sempre faz o trabalho da direita.
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* Escritor. Prof. Universitário.
Fonte: Correio do Povo online, 09/07/2015
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