domingo, 5 de julho de 2015

"A questão social foi chave no século XX. Agora, temos que falar da natureza", diz Leonardo Boff

"A questão social foi chave no século XX. Agora, temos que falar da natureza", diz Leonardo Boff  Júlio Cordeiro/Agencia RBS

De pala e lenço vermelho, teólogo participa de aula aberta sobre direitos humanos e coloca ecologia no centro da questão

Apesar do frio, cerca de 300 pessoas assistiram a aula pública em Porto Alegre.
 
Precisou de pala e de um copo de quentão para fluir a conversa no Parque Farroupilha, na tarde deste sábado. Para uma plateia cheia de políticos e militantes de esquerda, o filósofo e teólogo Leonardo Boff, 77 anos, fez graça antes de deslanchar a conversa sobre direitos humanos na Capital: 

— Não me ofereçam água, assim vocês ofendem o gaúcho. Tragam uma graspinha ou um quentão — disse o catarinense influenciado pelo frio de 9° na tarde deste sábado. 


Vestido de maragato, Boff falou neste sábado no Parque Farroupilha
Foto: JÚLIO CORDEIRO

Durante quase uma hora, o precursor da teologia da libertação falou sobre direitos das mulheres, negros, indígenas e LGBT em um evento que poderia ser comparado a uma missa campal contemporânea. É que, antes de começar, ele puxou uma oração; no decorrer, deu umas alfinetadas na política imperialista norte-americana; mas foi com a "mãe natureza" e o cuidado com a terra que ele gastou a maior parte de seu tempo.

— Não importa o que prega o código científico ou religioso. O fato é que a natureza tem direitos que devem ser respeitados. Nossas bases físicas, químicas e biológicas estão sendo destruídas. Temos que resgatar a vitalidade da terra para nos mantermos em paz — afirmou, em tom profético. 

Sobre o recente encíclica da Igreja Católica sobre meio ambiente, Boff caracterizou como um "manual de ecologia cotidiana que engloba todas as dimensões", não apenas ambiental, mas cultural e espiritual. O recente texto divulgado pelo Papa Francisco aponta caminhos que colocam o meio ambiente no centro das preocupações do século XXI. 

— O Papa Francisco usou partes de meus textos no seu discurso. Vou cobrar direitos — brincou ao mencionar sua participação na Carta da Terra (declaração de princípios éticos fundamentais para a construção de uma sociedade global justa, sustentável e pacífica criado na Conferência Eco-92).

O vento gelado assustou o público (das 3 mil pessoas esperadas, cerca de 10% compareceu), mas não congelou a tietagem. Ao final da palestra, dezenas de fãs cercaram o filósofo e pediram para fazer selfies. A presença de cabelos grisalhos e peles enrugadas debaixo dos gorros e mantas sinalizou que a velha-guarda da esquerda militante, por vezes adormecida na Capital, desperta cada vez que um nome como o de Leonardo Boff aterrissa na cidade. 

Autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Ecologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística, Boff é conhecido dentro e fora do Brasil. A maioria de sua obra está traduzida nos principais idiomas modernos.

Em 1984, em razão de suas teses ligadas à Teologia da Libertação, foi submetido a um processo no Vaticano e condenado a um ano de "silêncio obsequioso". Em 1992, novamente ameaçado pelas autoridades de Roma, renunciou às atividades de padre e se autopromoveu ao estado leigo. 

Foi professor universitário, agraciado com o prêmio Nobel alternativo em Estocolmo e atualmente vive no Jardim Araras, região campestre de Petrópolis (Rio de Janeiro), onde compartilha vida com a educadora Marcia Maria Monteiro de Miranda. 
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Reportagem Por: Lara Ely
Fonte: ZH online, 04/07/2015

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