PREJUÍZO
Gabeira diz que Dilma Rousseff criou uma
situação que ajuda a paralisar o País
Após
dedicar décadas de seus 74 anos de vida à política brasileira, Fernando
Gabeira, hoje, não milita mais em partidos e trabalha exclusivamente
como jornalista. Com menos de 30 anos, já tinha participado de um
sequestro (do embaixador americano Charles Elbrick, em 1969), e levado
um tiro nas costas ao tentar fugir da polícia, em São Paulo, no ano
seguinte. Atuou em movimentos radicais de esquerda, viveu no exílio e
voltou ao Brasil em 1979. Entrou para o Partido dos Trabalhadores (PT),
de onde saiu brigado, e ajudou a fundar o Partido Verde (PV). Hoje,
apresenta o programa Fernando Gabeira, na TV paga Globonews, para o qual
viaja pelo Brasil, e se diz feliz assim.
Gabeira
considera que o PT fracassou e que a contrapartida a isso é o avanço de
grupos de direita. Mas avalia, também, que a bandeira da esquerda
crescerá, em paralelo, a exemplo do que acontece na Europa. Reconhece a
crise de credibilidade do sistema político e diz que somente após as
próximas eleições, no ano que vem, se saberá se o perfil do eleitor
brasileiro mudou. “Estamos amadurecidos como sociedade para resolver as
questões de uma forma tranquila”, diz o autor de “O Que é Isso,
Companheiro?” (1997), best-seller sobre os tempos de guerrilha.
"Sobre a possibilidade dita por Lula de deixar este velho PT para trás e formar
um novo, acho difícil pensar em renascer sem reconhecer os erros
que está cometendo e pelos quais está sendo julgado"
um novo, acho difícil pensar em renascer sem reconhecer os erros
que está cometendo e pelos quais está sendo julgado"
Termos
dos seus tempos de guerrilheiro voltam à cena. A presidente Dilma
Rousseff disse que não respeita delatores (referência à delação premiada
na Operação Lava Jato) e lembrou a tortura na ditadura para obter
informações. Os tempos mudaram mas as práticas, não?
Acho
que a presidente não devia falar assim. É um gol contra se for comparar
a situação jurídica da ditadura e a do governo dela. Não há comparação.
Estigmatizar a delação faz parte de uma cultura antipolicial e se o PT e
a presidente Dilma insistirem em, indiretamente, afirmar que a coisa
mais vil que existe é colaborar com a polícia, isso vai ter uma
repercussão muito negativa até na política de segurança do País inteiro.
No momento, estão procurando se defender mas não estão avaliando bem o
que estão falando.
O
sr. escreveu em um artigo que a saída para a presidente Dilma é usar
tática de guerrilha: falar quando o adversário está desprevenido e
recuar quando está atento.
Estava
me referindo a uma coisa específica. Uma tática de guerrilha que ela
usa é evitar ser vaiada ao aparecer na televisão porque, se ela marcar
um dia e hora para falar na TV, sabe que deverá receber vaias. Então, a
única maneira é aparecer em um momento que ninguém está esperando.
Acha que os movimentos de rua vistos recentemente no Brasil são espontâneos?
Há
fluxos e refluxos nestes movimentos. Não podemos definir calendários
para as pessoas. Há um nível de espontaneidade que não pode ser medido
em um calendário burocrático. Os brasileiros estão esperando as saídas
institucionais. Estão vendo que há um movimento na operação Lava Jato,
no Tribunal de Contas da União (TCU), no Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), de coleta de depoimentos. Essa espera foi um pouco exacerbada
pela declaração da Dilma, que chamou a crise para ela mesma, quando
disse, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, que não vai cair, que
não tentem derrubá-la, que é moleza continuar no governo, no poder.
O que essa espera pode trazer ao País?
Todos
que têm planos para iniciar ou realizar projetos, evidentemente, ficam
aguardando, pois se a própria presidente da República convida a oposição
para tentar derrubá-la! Ela criou uma situação que ajuda um pouco a
paralisar o País.
Essa
paralisação de expectativas e ações também não se dá por falta de
credibilidade geral nos políticos, como indicam as pesquisas?
Não
há dúvida de que a crise não está acontecendo apenas no campo
econômico. Há uma crise também de credibilidade das instituições
políticas, todas. Nunca o sistema político brasileiro, como um todo,
esteve tão distante da população. Isso agrava o quadro e mostra que a
tarefa não é apenas recuperar a economia mas, também, um mínimo de
credibilidade no próprio sistema político.
Como?
A
curto prazo acho que pode ser feita alguma tentativa, mas essa promessa
só se confirmará realmente em um outro processo eleitoral. Quer dizer, o
Congresso só terá condições de atuação maior depois de superada a
crise. Mas isso não impede que algumas pessoas no parlamento tomem
iniciativas e comecem e fazer movimentos corretos para mostrar que
existe uma minoria lá dentro que representa o que está acontecendo nas
ruas agora.
O sr. acha que a situação atual pode se prolongar?
Acho
que tal como estamos vivendo no momento é muito difícil continuar. Há
muita indecisão no ar, expectativas que são postergadas em função da
crise política. Não é um clima que tende a se prolongar a não ser que se
queira pagar um custo muito alto, de falta de rumo, de viver à deriva. A
hipótese de superar isso seria a presidente começar a governar de uma
forma adequada e convincente, mas isso não parece estar no horizonte.
Sou bastante pessimista a respeito de solução a curto prazo. Se tiver,
vai depender muito das instituições agora. Claro que a pressão popular
pesa muito, mas existem três instâncias que estão discutindo o problema e
que podem resolver. Uma é o TCU, a outra é o TSE e, a terceira é a
operação Lava jato. Essas três frentes é que vão determinar a base legal
para que haja uma solução.
O sr. está se referindo ao impeachment?
Em
todos os casos, existe a possibilidade do impeachment. Via TCU,
atingiria a presidente da república. Do TSE, atingiria a dupla,
presidente e o vice-presidente, Michel Temer. Depende de como essas
frentes vão evoluir.
O
sr. foi do PT, conviveu e conhece bem o ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva. Como interpretou as duras críticas que ele fez ao próprio
partido, recentemente?
Não
sei. Mas suponho que ele já vinha fazendo essas críticas à boca pequena
e falou em um espaço público o que antes dizia reservadamente. Pode ter
acontecido isso. Ou pode ser objeto de um plano para dar uma sacudida
no partido e em Dilma. Mas não funcionou assim. Sobre a possibilidade
dita por Lula de deixar este velho PT para trás e formar um novo, também
acho difícil pensar em renascer sem reconhecer os erros que está
cometendo e pelos quais está sendo julgado agora. Essa transição de
renascer como se nada tivesse acontecido é impossível. Partidos mais
sólidos, intelectual e eticamente, como o Partido Comunista italiano,
desapareceram.
Na hipótese de o PT desaparecer, quem ocuparia o lugar?
Li,
semana passada, uma interessante entrevista do John Gray (filósofo
inglês) na qual ele diz que, na Europa, está havendo um momento de
crescimento tanto da esquerda quanto da direita. Acredito que no Brasil,
devido à performance ruim do PT, há a possibilidade de surgirem grupos
mais à direita. Mas penso que o fenômeno europeu também pode se repetir
aqui e os grupos de esquerda avancem, igualmente, desde que revejam um
pouco suas posições sobre estadismo, culpas.
Por quê?
Na
verdade, tudo o que está acontecendo está sendo atribuído a uma
política de esquerda porque durante todo esse tempo o PT desenvolveu
esse discurso na área da política internacional, no campo dos costumes
etc. Então, ele está se apresentando como uma tentativa de passagem da
esquerda pelo poder. Só que o fracasso deles vai representar um avanço
muito grande da direita.
O sr. pertence ao Partido Verde (PV)?
Não.
Não estou militando mais em partido. Meu único trabalho, hoje, é um
programa semanal na televisão, ao qual me dedico exclusivamente, quase.
Acompanho os acontecimentos e escrevo artigos para contribuir também, de
alguma maneira.
Com
a experiência de quem participou ativamente de momentos muito
importantes da história brasileira, acha que, para o País, o melhor é
que a presidente encontre um caminho e siga até 2018 ou que o atual
processo termine logo?
Sou
muito cético quanto à chance de a presidente achar um caminho. Passamos
um longo período de governo do PT e seus aliados. É esse tempo que está
sendo agora avaliado e possivelmente chegará ao fim. Mas esse
encerramento não é necessariamente dramático, não precisa ser. Estamos
muito mais amadurecidos como sociedade para resolver as questões de uma
forma tranquila.
"Há fluxos e refluxos nos movimentos de rua. Os brasileiros
estão esperando as saídas institucionais"
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Reportagem por Eliane Lobato - IstoE 17/07/2015
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