ANTONIO PRATA*
Quinze constatações a partir da paternidade: uma crônica de
autoajuda para os que pretendem procriar – ou talvez, mais ainda, para os que não
pretendem.
1 – Antes de ter filhos, eu era um vagabundo que ficava
reclamando, sem razão, de não ter tempo pra nada.
2 – Depois de ter filhos, eu sou um pobre-diabo que fica
reclamando, com razão, de não ter tempo pra nada. (Se hoje me dessem três meses
com o tempo livre que eu tinha há dois anos, eu conseguiria aprender esperanto,
escrever Anna Karenina e treinar pro Ironman).
3 – Se eu tivesse um minuto pra pensar a respeito da
paternidade, provavelmente me daria conta de que estou vivendo um dos momentos
mais gloriosos da minha breve passagem sobre a Terra: estou acompanhando o
desabrochar de pequenos seres humanos feitos com metade dos meus genes e metade
dos genes da mulher amada.
4 - Se eu não tenho um minuto pra pensar a respeito da
paternidade é porque estou exercendo a paternidade, o que significa, entre
outras coisas: tentar evitar que um desses pequenos seres humanos ponha na boca
a mão que acabou de meter na fralda suja de cocô; tentar convencer o outro
pequeno ser humano de que não dá para vermos o caranguejo, agora, pois o
caranguejo mora em Ubatuba, nós moramos em São Paulo – e são duas e trinta e
sete da manhã. Tais atividades, convenhamos, deixam pouco espaço para a
contemplação.
5 – Felizmente, devido a uma simpática trapaça cognitiva,
pregada pela seleção natural, o cocô dos nossos filhos nos parece muitíssimo
menos repulsivo do que os cocôs do resto da humanidade. (Infelizmente, não a
ponto de nos esquecermos que aquilo na fralda, nas costas, nas pernas ou na mão
do pequeno ser humano continua sendo cocô.)
7 - Depois de ter filhos, os minutos destinados ao próprio
cocô se transformam num raro e beatífico momento de paz pelo qual os jovens
pais anseiam como um monge por sua meditação.
8 - (Não é incomum pais neófitos simularem dores de barriga
para poderem se trancar no banheiro várias vezes ao dia e: ler rótulo de creme
hidratante, dar “like” na foto do gato da prima, contemplar os azulejos num
torpor quase místico).
9 - Ninando um bebê, me descubro capaz de executar funções
com partes do meu corpo que, até ter filhos, julgava completamente ineptas. Consigo
abrir e fechar uma maçaneta com o cotovelo – sem fazer barulho. Consigo regular
o dimer com a bunda. Consigo abrir e fechar o mosquiteiro com o nariz. Coço o
queixo na estante de livros, as costas no armário embutido, a testa no prato da
samambaia. Se tiver uma única mão livre, posso fazer o solo de bateria do John
Bonham, em Moby Dick, de trás pra frente – só não faço porque iria acordar o
bebê.
10 – Antes de ter filhos, eu achava o fim da picada pais que
trabalhavam com: babá, biscoito recheado, televisão no carro.
11 – Hoje, procuro uma folguista pro fim de semana (pago
metade do meu salário e dou meu carro como bonificação), negocio “Só mais uma,
já é o terceiro pacote!” e imploro “Não chora! Olha o filme do Senhor Batata! A
Menina Moleca! A Galinha Pintadinha!”.
12 – Galinha Pintadinha é a imagem da Besta.
13 – Galinha Pintadinha é uma bênção divina.
14 – Dormir é para os fracos.
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* Escritor. Roteirista. Cronista da Folha
Fonte: Folha online, 19/07/2015
Imagem da Internet
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