Juremir Machado da Silva*
O sociólogo francês Dominique Wolton é conhecido por sua
espontaneidade. Beija, abraça, aperta as bochechas das pessoas e começa
conversas telefônicas com amigos gritando “salaud, conard”. Canalha,
imbecil, cretino! Wolton costuma dizer: “Ninguém é mais covarde do que
os intelectuais”. Exagero? Há intelectuais corajosos. Mas essa é a marca
dos intelectuais?
Vai sair no Brasil um livro, de Michel Maffesoli e sua mulher, Hélène
Strohl, sobre esse delicado tema: O conformismo dos intelectuais
(Sulina; tradução de Tânia do Valle Tschiedel). Há coisas que só existem
no Brasil? O livro mostra que a França pode ser muita parecida conosco
ou pior: privilégios, mesmos vícios, mesmas disputas de poder. Vale
conferir um fragmento.
Strohl: “O alto funcionário, cedo ou tarde, salta uma etapa e tenta a
eleição, apesar de que aí também a administração seja facilmente
manobrável, e o funcionário que quer investir seu tempo em sua carreira
eleitoral não é demitido; ele pode utilizar suas férias pagas, sua conta
poupança e até se colocar um ou dois meses em disponibilidade, se tiver
recursos monetários pessoais ou algum outro sustento. Se perder, ele se
reintegra imediatamente ao seu posto, que estava bem guardado para ele.
Se for eleito, ele se beneficiará da diminuição de carga horária.
Exemplo: um vice-presidente de conselho regional e, ao mesmo tempo,
prefeito de uma cidadezinha pode, assim, trabalhar em tempo parcial; um
presidente de conselho geral se beneficiará de uma diminuição
equivalente a 90% do tempo”. Hummm!
Uma barbadinha? Qual a consequência? “Isso significa que esses
funcionários que trabalham 50% e mesmo 10% serão pagos com 100%,
vantagens incluídas, e que, certamente, se houver uma reviravolta e eles
perderem em uma próxima ocasião, terão adquirido progressões e direitos
equivalentes aos daqueles que trabalharam em tempo integral. Somente os
professores de universidade têm um status mais vantajoso em relação à
carreira política porque eles podem acumular, qualquer que seja seu
mandato, inclusive nacional, sua função eletiva e seu emprego, exercer
este também, ou não, segundo suas obrigações, e acumular as remunerações
e vantagens das duas carreiras. Georges Frèche foi professor de direito
toda sua vida e Raymond Barre ‘ensinou’ economia mesmo quando era
primeiro-ministro!” Hummm!
Como reage a população, o dito cidadão comum ou contribuinte, pagador
de impostos, a essa situação “especial”? “Esses privilégios pouco
conhecidos colaboram com o espírito antifuncionário público e
antipolítico, pois, imaginemos as dificuldades de um dono de garagem, de
um médico particular, mesmo de um advogado (que abandonará seu
escritório), de um tabelião, de uma secretária, de uma fonoaudióloga ou
de qualquer assalariado privado ao interromper assim sua carreira para
retomá-la três meses mais tarde ou cinco anos depois?” Hummmm!
Esse livro, em tom de panfleto, incomoda mais do que quatro elefantes na França dos socialistas.
Maffesoli questiona do politicamente correto de conveniência ao compadrismo.
Pensar é comprar briga. Intelectual que não polemiza descumpre o seu papel.
Especialmente quando se burocratiza e passa a gostar de fazer o papel de feitor do poder.
Ou, como dizia Antônio Gramsci, “funcionário da superestrutura”.
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* Sociólogo. Escritor.
Fonte: Correio do Povo online, 21/07/2015
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