quinta-feira, 2 de julho de 2015

O processo da viúva de Borges contra escritor que 'engordou' 'O Aleph'


Katchadjian foi processado após acrescentar 5.600 palavras ao conto original

Tudo começou em 2009 como uma experiência literária aplaudida na época até mesmo pelo grande mestre argentino César Aira. Paul Katchadjian, jovem e respeitado escritor, uma das grandes promessas da literatura Argentina, quis investigar "O Aleph", o conto mais conhecido de Jorge Luis Borges. 

Antes ele havia feito o mesmo com "Martin Fierro", o poema clássico da literatura daquele país. Pegou seus 2.316 versos e rearranjou em ordem alfabética. O poema mudou radicalmente, mexendo com a memória que cada um tinha dele. Katchadjian não teve nenhum problema, mas sim algum reconhecimento no mundo intelectual por seu jogo.

Então resolveu tentar algo com Borges. Acrescentou 5.600 palavras ao conto original e publicou um livro de 50 páginas chamado "O Aleph engordado", pela pequena editoria Imprenta Poesia Argentina, com tiragem de 200 exemplares.

‘Borges não é um monumento, é um escritor. A história da literatura é uma constante revisão e reflexão sobre a tradição. Borges defendeu o plágio e afirmava que toda 
a literatura se constrói uma sobre a outra’
 - Paul Katchadjiansobre seu livro, 'O Aleph engordado'

Tudo estava indo bem, o exigente mundo da cultura Argentina gostou da idéia, Aira recomendou a leitura e elogiou como Katchadjian demonstrava que "'O Aleph' poderia seguir engordando indefinidamente, até preencher todas as prateleiras de todas as bibliotecas do mundo".

Mas a viúva de Borges, Maria Kodama, não teve a mesma opinião e entrou com uma queixa criminal contra Katchadjan por plágio. Na Argentina, a lei pune esse crime com até seis anos de prisão. 

Após uma longa batalha judicial, na qual Katchadjian parecia levar vantagem, na semana passada o tribunal de apelações argentino decidiu em favor de Kodama e decretou um embargo de 80 mil pesos (R$ 16 mil) sobre os bens do escritor. Ele voltou a apelar, mas o caso está se complicando.

"Nem eu nem qualquer um entre os que leram pensou que pudesse haver algum problema", afirma Katchadjian, ainda estupefato com o processo. Ele é professor universitário e escritor, de 38 anos, conhecido por livros como "Gracias", "Qué hacer" e "La libertad total". 

"Obviamente não estamos tentando esconder maliciosamente um plágio de forma dolosa, o motivo pelo qual essa lei existe", acrescenta. "O livro se chama 'O Aleph engordado' e ao final há uma explicação sobre como o trabalho foi feito. Borges não é um monumento, é um escritor. A história da literatura é uma constante revisão e reflexão sobre a tradição. Borges defendeu o plágio e afirmava que toda a literatura se constrói uma sobre a outra. Esse processo é absurdo, é um romance delirante."
Vários intelectuais, como Beatriz Sarlo e o próprio Aira, se mobilizaram para defender o escritor. Além disso, uma comunidade de apoio a sua causa já reúne mais de oito mil pessoas o Facebook. O advogado da viúva de Borges, Fernando Soto, assegura que "a única intenção de Kodama é proteger a obra de Borges". 

‘Isso não é um experimento, afeta diretamente o direito moral da obra, que foi alterada de forma dolosa. É como se alguém pintasse um bigode na Mona Lisa’
- Fernando SotoAdvogado da viúva de Borges

"O que acontece é que muitas pessoas não gostam de Kodama e por isso há essa reação solidária a Katchadjian", argumenta o advogado. "Isso não é um experimento, afeta diretamente o direito moral da obra, que foi alterada de forma dolosa. Queremos que se reconheça que é uma ofensa a Borges. É como se alguém pintasse um bigode na Mona Lisa", conclui.

Houve uma tentativa de mediação na qual os representantes de Kodama sugeriram não abrir também um processo civil em troca de Katchadjian assumir os custos do processo penal e do advogado (cerca de US$ 1.500), uma multa simbólica de um peso e, acima de tudo, o reconhecimento de seu erro. Ele se recusou.

"Eu não fiz nada de errado, o que está errado é o que eles estão fazendo. Eu não me arrependo do livro, acho que é um bom exercício. Toda a literatura é uma versão constante da anterior. Eu acho que o melhor que podemos fazer com Borges é dessacralizá-lo ".

O advogado de Kodama insiste que os críticos exageram, pois em nenhuma hipótese o escritor será preso, uma vez que não tem antecedentes, e no máximo teria de fazer trabalhos sociais. 

Soto assegura que está conversando com alguns dos que apoiam Katchadjian para convencê-los de que esta é uma batalha pela defesa dos direitos do autor, que interessa a todos os escritores. Mas por enquanto a maioria está com o jovem autor de "El Aleph engordado".
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