Ruth de Aquino*
A
cena dos três carros de luxo, uma Ferrari, um Lamborghini e um Porsche,
apreendidos da casa do ex-caçador de marajás e ex-presidente impedido
Fernando Collor, é um bálsamo para todos que sempre se sentiram meio
quixotes neste país, em luta contra moinhos de vento.
É
compreensível que empresários bilionários ostentem brinquedos assim e
se sintam mais machos enfileirando na garagem suas máquinas potentes e
incompatíveis com o trânsito brasileiro. Mas, e quando se trata de
políticos? Só muita cara de pau, complexo de inferioridade e problemas
de caráter explicam essa obsessão em um congressista ou homem público,
num país com tantos desafios básicos e graves.
O
valor total dos três carros, estimado em cerca de R$ 5 milhões, é
detalhe. Milhões e bilhões são jogados pelo ralo da corrupção todo dia.
Ninguém consegue acompanhar o montante das propinas na Operação Lava
Jato. Mais reveladora é a dívida de Collor com o IPVA das três máquinas,
R$ 343.480,48. Quem caiu por um Fiat Elba sujismundo deveria ter virado
colecionador de tudo, menos de carros. Sempre faltou visão a esse
político afeito a surtos arrogantes e a golpes baixos.
Collor
reagiu como... Collor. Com bravatas e chiliques. O senador se disse
“ultrajado” com a apreensão em sua propriedade, a Casa da Dinda.
“Estamos no terreno do vale-tudo!” Chamou os investigadores de
“facínoras que se dizem democratas”.
Policiais
federais, com mandados de busca e apreensão assinados por ministros do
Supremo Tribunal Federal, levaram também material da emissora de TV do
senador, em Maceió, repetidora da Globo. Era madrugada de terça-feira. A
ação, acatada pelo STF a pedido do procurador-geral da República,
Rodrigo Janot, foi batizada de Politeia, que seria uma república grega,
caracterizada pelos direitos civis, pela ética e pela virtude.
Com
uma biografia pontuada de episódios ainda obscuros, Collor foi redimido
por seus pares e é senador pelo Partido Trabalhista Brasileiro – o PTB
fundado por Getúlio Vargas em 1945. E pensar que Collor quase foi
presidente da CPI da Petrobras, indicado pelos governistas.
Lula elogiou Collor como um dos mais leais de sua base, em 2009. Abraçaram-se num palanque de Alagoas, em Palmeira dos Índios. Lula disse que tanto Collor quando Juscelino Kubitschek tinham sido presidentes que viajavam para “sentir o drama do povo”. O que Lula dirá agora? Nada. Até porque muito ainda deve surgir sobre a relação íntima de Lula com a Odebrecht.
Lula elogiou Collor como um dos mais leais de sua base, em 2009. Abraçaram-se num palanque de Alagoas, em Palmeira dos Índios. Lula disse que tanto Collor quando Juscelino Kubitschek tinham sido presidentes que viajavam para “sentir o drama do povo”. O que Lula dirá agora? Nada. Até porque muito ainda deve surgir sobre a relação íntima de Lula com a Odebrecht.
Os
que mais se comoveram com o sentimento de ultraje de Collor foram o
presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o presidente do Senado, Renan
Calheiros. Ambos são alvos da Lava Jato, acusados de receber propinas
robustas de fornecedores da Petrobras.
O
show de Collor foi roubado por seus irmãos camaradas do PMDB, Cunha e
Renan. Se pensássemos num filme que resumisse os protagonistas da
semana, poderia ser Os três patetas, na versão mais carinhosa, ou Os irmãos metralha,
na versão mais dura. Dos três, Collor é o mais inofensivo, o menos
perigoso, por não passar de figurante canastrão no grande palco
político.
“É
tudo vingança do governo. Parece que o Executivo quer jogar sua crise
no Congresso”, disse o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Cunha foi
acusado pelo lobista de empreiteiras e delator da Lava Jato Júlio
Camargo de receber US$ 5 milhões diretamente dele, em 2011. O Brasil
assistiu ao depoimento, gravado em vídeo pela Justiça Federal. Cunha
afirmou que o procurador-geral Janot “obrigou Camargo a mentir”.
Os
delatores acusam Cunha de intimidação. Dizem ter medo dele. Não são os
únicos. A figura messiânica, as manobras polêmicas e as posições
extremamente conservadoras de Cunha mostram a face pior do PMDB. Até
recentemente, Cunha era fã da delação premiada e da Lava Jato. Agora,
diz que o Executivo usa a operação “para constranger o Legislativo”.
A
tropa de choque do PMDB em torno de Cunha formou-se rapidamente. “Essas
coisas” atrapalham o país, “abalando a natural tranquilidade que sempre
permeou” o Brasil, disse o vice-presidente Michel Temer. Renan
Calheiros afirmou que o país passa por “uma crise institucional”.
“Vivemos um momento grave, preocupante”, porque o Brasil pode estar
“ferindo de morte a própria democracia”, disse o presidente do Senado.
É
curioso. O Brasil, com certeza, tem outra opinião. A democracia vive um
momento de ouro porque não poupa ninguém. Não há lugar na Politeia para
Collor e uma cambada de homens públicos brasileiros. Nossa República
dos rabos presos precisa ser refundada e começo a crer nessa
possibilidade. Você compraria um Lamborghini usado de Collor, Cunha ou
Renan?
--------------------
* Jornalista. Fonte: REvista Época online, acesso 18/07/2015
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário