quinta-feira, 24 de junho de 2021

Amanheceres

Luis Fernando Veríssimo*

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Em inglês, existe uma expressão bonita para dar-se conta, ter uma revelação, entender: "It dawned on me". Amanheceu em mim. A expressão descreve o sentimento de subitamente ver com clareza o que antes era obscuro, como uma aurora interior. Ideias e pensamentos amanhecem dentro de nós. Dizer que os olhos de uma pessoa se iluminam quando ela tem uma percepção nova não é um clichê literário, é a luz desse alvorecer saindo pelos olhos.

Não sei se existe expressão parecida em outras línguas, mas ela deveria ser universal. Afinal, sua origem é a experiência mais comum da humanidade desde que ela viu, pela primeira vez, o sol afastando as trevas e a noite dando lugar ao dia, e à maior dádiva do dia, que é a de nos permitir enxergar.

O amanhecer é uma metáfora pronta, e reincidente. A usamos para escrever a História: o Renascimento como um novo dia depois da noite medieval, o Iluminismo como o sol resgatando o espírito humano das sombras da ignorância e da superstição etc. Mas, tanto como figura de linguagem quanto como alegoria histórica, todo amanhecer tem sua consequência, também reincidente e inescapável.

Nenhum dia é para sempre, todo amanhecer anoitece. Não importam quantas auroras pessoais você experimentar e quantas revelações e verdades vierem iluminá-lo por dentro, elas não são permanentes, nem farão muita diferença fora da sua pele. A lição do mundo é que as auroras não duram. O que se vê por aí são fundamentalismos em conflito, religiões recaindo nos seus hábitos, sem trocadilho, mais retrógrados, as pessoas se retribalizando e acreditando em feitiços cada vez mais estranhos. Não é exatamente no que se esperava que desse a Idade da Razão, antes parece ser um fim de dia. Que noite está por vir, ninguém sabe.

* Jornalista. Escritor. Cronista da ZH
Foto: Amanhecer no Campo da Tuca/Poa
Fonte: https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/zh/acessivel/materia.jsp?cd=78a30f42f70720c2896de7affc84e770

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