Brian Greene, escritor e professor de Física e de Matemática na Universidade de Columbia, em entrevista à VISÃO
Leitor relutante durante a adolescência, nada faria prever que se tornaria autor de best-sellers na idade adulta. O Mito de Sísifo, ensaio filosófico de Albert Camus, despertou-o para as grandes questões existenciais e, hoje, até há quem lhe chame “místico científico”. Aos 58 anos, o físico Brian Greene já vendeu mais de dois milhões de cópias das suas obras em diferentes países. Às livrarias portuguesas acaba de chegar Até ao Fim dos Tempos (Desassossego), uma viagem científica, mas também cultural, sobre o apelo que a inalcançável eternidade exerce nos simples mortais. Professor de Física e de Matemática na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos da América, Brian Greene também é cofundador do World Science Festival, que procura aproximar o público em geral da Ciência. No meio académico, é sobretudo conhecido pelas suas descobertas no campo da teoria das supercordas. Entrou na cultura popular através da participação em vários filmes de Hollywood e, ainda, num episódio da série de comédia The Big Bang Theory, sempre fazendo de si próprio. À VISÃO, o cientista que não acredita no livre-arbítrio explica o que a música e a Física têm em comum e como o cosmos nos ensina a viver no presente, além de sublinhar a importância de distinguir opinião de Ciência.
A Física pode ajudar-nos a descobrir o sentido da vida?
Não
sei se a Física nos pode fornecer o sentido da vida, mas compreender
como chegámos até aqui e qual será o destino de todas as estruturas,
como as estrelas, os planetas ou as pessoas, dá-nos uma perspetiva que
não creio ser possível obter de qualquer outra forma. Cada indivíduo tem
de encontrar o seu próprio caminho, mas compreender o contexto é vital
para esse caminho ser mais frutuoso.
Temos dificuldade em aceitar que o acaso desempenha um papel muito importante na Ciência e, já agora, nas nossas vidas?
A
intuição diz-nos que o mundo é muito sólido e que segue padrões claros,
o que faz sentido, porque, em termos da escala do quotidiano, essa é a
experiência dominante que temos. Mas o objetivo da Física é ir além da
experiência e encontrar a verdade. E, quando escavamos mais fundo,
apercebemo-nos de que o mundo é fundamentalmente quantum mecânico e que o
acaso e a probabilidade são conceitos operativos.
Costuma usar a música como metáfora da Física. O que têm em comum?
A
música está assente em padrões, como o padrão das notas. E a Física
também, basta pensar nos padrões de movimento. Além disso, os seus
praticantes estão profundamente conectados. Os físicos buscam realidades
interiores e verdades mais profundas, que não estão ao alcance dos
sentidos comuns. Os compositores – o meu pai era compositor – descrevem,
muitas vezes, o seu trabalho de forma semelhante, procuram revelar uma
essência mais profunda ao mundo, a qual permaneceria adormecida sem o
seu contributo. Portanto, há muitas ressonâncias – para usar um termo
musical – entre ambas. Se for usada de forma judiciosa, essa analogia
pode ser útil.
O que pode a Ciência ensinar-nos sobre a forma como nos relacionamos com a passagem do tempo?
O
reconhecimento da nossa mortalidade é uma das influências dominantes na
forma como vivemos as nossas vidas. O próprio universo é mortal, em
certo sentido. Numa escala de tempo suficientemente longa, tudo o que
existe irá desintegrar-se. A consciência disso foca a nossa atenção na
pequena janela temporal em que as condições no cosmos são perfeitas para
a existência de planetas, estrelas e pessoas.
É difícil não ficar deprimido perante essa consciência da finitude do universo…
Quando
tomei consciência destas ideias, também me pareceu deprimente. Mas, ao
refletir de forma mais profunda, tudo se iluminou. Em vez de nos
focarmos no futuro, que será inevitavelmente uma desilusão, visto nada
perdurar, temos de nos focar no aqui e agora. Esta não é uma mensagem
nova, filósofos, sábios e mestres de mindfulness disseram
coisas semelhantes ao longo dos tempos, mas chegar aqui através de uma
perspetiva cosmológica, para mim, é uma abordagem muito mais impactante e
convincente, que nos deve fazer apreciar com maior intensidade o facto
de este breve período sequer existir, por mais fugaz que a nossa vida
possa ser.
Viver no “aqui e agora” é a melhor estratégia para não pensarmos no nosso fim inevitável?
Não
poria a questão dessa forma… Creio que é essencial pensarmos no nosso
destino entrópico. Não devemos fugir dele, mas compreendê-lo
profundamente, usando esse conhecimento para procurarmos o que tem
realmente significado para nós. Muitos atribuem valor àquilo que deixam
para trás, sejam os filhos ou as grandes leis do universo que os físicos
deixam às futuras gerações. É isso que nos ensinam; o valor da
permanência. O conhecimento sobre para onde vamos altera essa perspetiva
e permite-nos investir a nossa energia onde realmente faz sentido: no
presente.
Vivermos demasiado no presente também pode ser perigoso, não?
Podemos, por exemplo, não nos importar com a destruição do Planeta…
Se
acharmos que apenas o nosso futuro importa, concordo que pode ser
perigoso. Por outro lado, se desviarmos o nosso foco do futuro e
percebermos a importância de celebrar o presente, então, claro que vamos
querer proteger o Planeta porque ele faz parte do aqui e agora. Temos
de fazer tudo o que pudermos para o proteger, não em nome do futuro, mas
porque é a coisa certa a fazer no presente.
Por que razão diz não acreditar no livre-arbítrio?
O
argumento para mim é muito claro. Quando reconhecemos que cada ação e
decisão nossa são apenas partículas que atravessam o nosso corpo e o
nosso cérebro, e que esse movimento é totalmente governado pelas leis da
Física, percebemos que não há oportunidade para interferir. Vivemos num
universo com leis. O nosso corpo e o nosso cérebro são totalmente
governados pelas leis da Física, não há forma de as contornarmos. Nesse
sentido, a liberdade que pensamos que temos é uma ilusão.
Mas somos nós que comandamos essas partículas…
A
lição principal deste pensamento é que há muitas maneiras diferentes de
descrever a realidade. Estou a descrevê-la da forma mais reducionista,
ao nível das partículas e das leis que a comandam. A sua visão é de
muito mais alto nível, é muito mais humana. Ambas as histórias são
válidas. Quando percebemos que essa narrativa de mais alto nível está
assente nesta visão reducionista porque, no fundo, não passamos de
partículas que vão umas contra as outras, percebemos que podemos sentir
que temos liberdade mas, lá no fundo, não a temos.
Vivemos numa era em que privilegiamos o conhecimento
científico. Será porque temos a ilusão de que a Ciência nos oferece
certezas?
Não estou de acordo com essa ideia, depende do
local onde vivemos… No meu triste país [os EUA], isso não é verdade.
Aqui, o conhecimento científico não é privilegiado por uma grande parte
da população. Há pessoas que resistem a tomar a vacina [contra o
SARS-CoV-2] por razões que não são científicas, negando a validade da
Ciência. Isso é trágico.
Mas não concorda que hoje se procura utilizar o método científico para tudo?
A
Ciência é muito boa a responder a determinado tipo de questões: por que
razão as partículas se movem desta forma? Por que razão a Terra orbita à
volta do Sol? Mas não é particularmente boa a responder a questões de
mais alto nível: por que razão uma sinfonia de Beethoven nos comove? Por
que razão sentimos tristeza se alguém de quem gostamos morre? Em última
instância, estas questões profundamente humanas estão assentes em
processos científicos, mas eles não nos dão nenhum entendimento profundo
sobre elas. Temos de valorizar as respostas científicas e as humanas,
só juntando as duas conseguiremos um entendimento mais profundo do
mundo. Na minha perspetiva, não deveria haver uma hierarquia entre elas.
Devemos escolher a linguagem que responde melhor às perguntas que
estamos a fazer naquele momento.
Desde o início da pandemia que as pessoas exigem certezas à
Ciência. Isso demonstra que estão pouco familiarizadas com o método
científico?
Uma fração da população tem falta de
conhecimento sobre o que a Ciência pode, de facto, atingir. Nós nunca
provamos nada, o que fazemos é ganhar confiança em certos entendimentos
do mundo. É esse nível profundo de ceticismo e de incerteza que define o
processo científico. Infelizmente, descobrir que a Ciência não oferece
certezas a 100% é utilizado por alguns como arma contra o conhecimento
científico, quando na realidade é assim mesmo que funciona, é essa a
natureza da busca científica.
Muitas pessoas pensam que Ciência é o mesmo que opinião. Como
podemos distinguir uma da outra sem desencorajar o questionamento da
Ciência?
Estamos a assistir a uma perda de respeito pelo
conhecimento, no mundo. Cabe-nos a nós, enquanto educadores, tornar
claro para os nossos filhos que questionar, ser cético e ter uma opinião
informada por factos é uma parte essencial de participar na democracia.
Ao mesmo tempo, é fundamental reconhecer que existe um corpo de
conhecimento que responde comprovadamente a determinadas classes de
perguntas. A análise científica é a abordagem mais poderosa que temos
para compreender as qualidades objetivas do mundo e, por isso, as
opiniões devem corresponder a esse entendimento. A realidade não se vai
adaptar às opiniões que desejamos.
Mas a Ciência já foi manipulada antes, por exemplo, para justificar a eugenia…
Uma
coisa maravilhosa é a Ciência ser transparente. É uma comunidade
aberta, sem nada escondido. E, por causa disso, é o mais poderoso corpo
de autocorreção do conhecimento que a nossa espécie alguma vez criou.
Estar sujeita ao escrutínio de uma comunidade de dimensão mundial gera
esse nível de confiança.
Por que razão atribui tanta importância à arte? Apenas a arte
nos pode garantir o sentido de eternidade que individualmente nunca
atingiremos?
Sim, creio que esse é um dos lados da questão.
As artes são o caminho mais direto para uma espécie de experiência
transcendental, em que somos retirados do momento presente e colocados
numa dimensão intemporal, que nos permite estar no mundo de uma forma
muito particular. Essa capacidade de a arte nos deslocar para um local
diferente é profundamente valiosa. Também acredito que as artes são uma
oportunidade para contar outra história. Permitem-nos falar numa língua
diferente, que pode não precisar de palavras e tocar-nos de uma forma
profunda.
Enquanto cientista, como olha para a religião?
Não
olho da mesma forma que muitos dos meus colegas. Alguns deles ficariam
felizes se a religião desaparecesse da Terra, veem a religião como um
legado da infância da espécie, quando precisávamos de imaginar coisas
que não estavam lá. O meu ponto de vista é que talvez a religião seja
mais uma forma de tentarmos compreender-nos, penso nela como uma ampla
coleção de caminhos em direção a uma apreciação interior mais profunda.
Para alguns, uma religião organizada é útil para essa autodescoberta.
Não é nesse grupo que me posiciono, tenho um entendimento mais
espiritual dos mistérios da vida e do universo, que se foca na
consciência. Quão estranho é termos esta sensibilidade interna que nos
permite refletir sobre o mundo e senti-lo dentro da nossa cabeça e do
nosso corpo? Acho isso profundamente misterioso e maravilhoso. Pensar
nestas questões subjetivas complementa a minha jornada científica para
compreender o mundo.
Reportagem por Vânia Maia Jornalista
Fonte: https://visao.sapo.pt/ideias/2021-05-30-o-nosso-corpo-e-o-nosso-cerebro-sao-totalmente-governados-pelas-leis-da-fisica-nao-ha-forma-de-as-contornarmos-nesse-sentido-a-liberdade-que-pensamos-que-temos-e-uma-ilusao/
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