quarta-feira, 16 de junho de 2021

Vantagens e prazeres do ódio

                                      Mário Corso*

O discurso de ódio e a instabilidade do país

Odiar é um prazer de que poucos abrem mão. Menos faladas são suas vantagens. Então, vamos a elas.

Odiar é uma fonte de amigos. Sempre existe muita gente disposta a odiar junto, seja lá o que for que você deteste. É fácil formar uma comunidade com um alinhamento a uma causa negativa. Você nunca vai se sentir sozinho quando levar seu ódio a passear. Esse contato com grupos de afinidades de repulsa é mutuamente estimulante. A toda hora, alguém consegue novos e melhores argumentos para deixar acesa a brasa do ódio.

Odiar rejuvenesce. Observe os argumentos dos odiadores. Geralmente já começam bem, partem cognitivamente da quinta ou sexta série, mas podem atingir idades mais novas ainda. No calor do embate, chegam a um ódio puro, praticamente sem lógica nem significados linguísticos. Similar ao ódio dos bebês frente a um mundo que os incomoda e que eles não entendem.

Você está entediado, deprimido ou borocoxô? Não sabe o que fazer da vida? Vá odiar na internet. Isto anima. Você vai se sentir vivo e pulsante outra vez graças à força do pensamento destrutivo. O ódio gruda, preenche a alma. Inclusive à noite, a insônia deixa de ser aleatória e vaga, ganha um alvo claro.

O mundo te parece confuso, complicado, demasiado cheio de nuances? O ódio facilita, simplifica, deixa tudo com dois campos apenas. Abraça o ódio e ele será um farol na tua vida. A ira é imperialista, organiza todos os assuntos e aponta o culpado por tua dor.

Odeie e o universo se abrirá em sentidos que apontam você como quem tem razão. Ainda, quanto mais você odiar, melhor você será. Odiar te purificará e te elevará acima dos outros. Afinal, quanto menos os outros prestam, mais valor você tem.

Além disso tudo, o ódio é totalmente grátis. Quer dizer, os cardiologistas, os psiquiatras e essa trupe de patrulheiros da nossa vida divergem. Dizem que ódio mata, estressa o organismo à toa, altera a pressão, induz à taquicardia e blá-blá-blá. Sim, mas lembrem que foram eles que já nos cortaram o cigarro, perseguem o álcool, já condenaram o ovo, demonizaram o açúcar e agora querem nos tirar até as delícias do ódio. A meta seria ter uma vida de empatia, aveia e brócolis? Às favas com eles!

Por último, se você é mais sofisticado, possui um estilo individualista, não gosta de se misturar, pode optar por odiar os odiadores. Você se destaca da massa ignara e ainda aproveita todas as vantagens do rancor. Abra seu coração para o ódio e você deixará de sentir o vazio da existência.

PS: Anos atrás eu poderia parar por aqui. Hoje, graças ao ódio estupidificando nossa mente, corroendo o bom senso, se faz necessário avisar que esta coluna contém traços de ironia e sátira. Se você é alérgico, agora é tarde.

* Mário Corso é psicanalista, membro da APPOA (Associação Psicanalítica de Porto Alegre). Formado em psicologia pela UFRGS, trabalha com adolescentes e adultos. mariofcorso@gmail.com 

Imagem da Internet

Fonte:  https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/zh/acessivel/materia.jsp?cd=491d5a6e577a4b7ad1e9852775d17865

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