Uma caixa que foi usada para armazenar munição foi encontrada cheia de gelo.Foto: White War Museum, Adamello via The New York Times
Artefatos da Guerra Branca - batalha entre as tropas italianas e austro-húngaras que ocorreu nas proibitivas alturas dos Alpes - serão encaminhadas para museu
01 de junho de 2021 | 05h00
À medida que as geleiras derretem e encolhem nos Alpes do norte da Itália, relíquias da Primeira Guerra Mundial há muito congeladas emergem do gelo.
Entre elas se encontram xícaras, latas, cartas, armas e ossos com a medula seca. Tudo foi encontrado em alojamentos dentro de cavernas não muito longe do cume do Monte Scorluzzo, que chega a mais de 3 mil metros acima do nível do mar no norte da Itália, perto da Suíça.
Os soldados austro-húngaros que ocuparam esses acampamentos estavam lutando contra as tropas italianas no que ficou conhecido como a Guerra Branca. Lá nos Alpes - bem longe do famoso Front Ocidental, palco de uma sangrenta guerra de trincheiras entre a Alemanha e a França - as tropas escalaram alturas precárias no frio cortante para cavar fortificações na rocha e na neve.
O clima que pôs à prova os soldados no Monte Scorluzzo acabou preservando seus acampamentos ao congelar a entrada depois que as tropas abandonaram seus postos ao final da guerra em 1918. A estrutura ficou essencialmente impenetrável por décadas - até 2017, quando o gelo e a neve derreteram, permitindo que os pesquisadores entrassem.
Os acampamentos agora foram escavados, revelando os itens que foram deixados para trás e oferecendo uma visão mais completa das pessoas que viveram naquele espaço estreito há mais de um século.
Os acampamentos, hoje dentro do Parque Nacional Stelvio, são “uma espécie de máquina do tempo”, disse Stefano Morosini, historiador que coordena projetos de patrimônio para o parque e é professor da Universidade de Bergamo, na Itália.
“Estamos interessados não só no aspecto histórico, mas também no científico”, acrescentou. “Como era a poluição? Como estavam as condições epidemiológicas no quartel? Como os soldados dormiam e como sofreram? O que eles comiam?”.
Muitas das relíquias serão exibidas em um museu que deve ser inaugurado no ano que vem na cidade de Bormio, disse Morosini. Outro museu dedicado à Guerra Branca já existe na cidade vizinha de Temù, e membros da equipe estão trabalhando para restaurar as relíquias encontradas nos acampamentos.
Luca Pedrotti, coordenador científico do parque, disse que as relíquias trazem lições de ciência ambiental e também de história. O clima extremamente frio matou soldados no norte da Itália há mais de um século; hoje, as condições mais quentes apresentam um tipo diferente de ameaça.
Pedrotti, que viveu no parque quando criança, disse que acompanhou as geleiras diminuindo ao longo das décadas. Ele viu mudanças na flora e observou animais que gostam do frio subindo em direção ao topo das montanhas, agarrando-se às zonas habitáveis que continuam a encolher.
“Acho importante usar o parque como uma área de estudo para aumentar a conscientização sobre as mudanças climáticas”, disse ele.
Na Guerra Branca, acredita-se que a maioria dos soldados que morreram foram mortos não pelos combates, mas pelo meio ambiente. Era difícil fortificar seus postos remotos com alimentos e suprimentos, e os picos varridos pelo vento estavam sujeitos a avalanches.
“Aqui os homens passam os dias envoltos em peles felpudas, os rostos sujos de graxa para protegê-los contra as rajadas, as noites em buracos escavados na neve”, escreveu E. Alexander Powell, correspondente de jornal, em Italy at War, livro publicado em 1918.
“Em nenhum outro front, nem nas planícies escaldadas pelo sol da Mesopotâmia, nem nos pântanos congelados da Masúria, nem na lama encharcada de sangue de Flandres, os combatentes viviam uma existência tão árdua quanto aqui no teto do mundo”.
Nenhum corpo foi encontrado nos acampamentos, embora corpos congelados de pessoas que lutaram na Guerra Branca tenham aparecido nas proximidades. Os pesquisadores, no entanto, encontraram pelo menos um sinal de vida, disse Alessandro Nardo, diretor do parque.
“Quando cheguei para administrar o Parque Nacional do Stelvio, no final de 2018, uma das coisas que me atraiu a curiosidade foi um pequeno pote sobre uma mesa, com um gerânio verde selvagem”, disse.
“Perguntei ao meu colega o que era e ele disse que tinha germinado das sementes encontradas nos colchões do acampamento de Scorluzzo”.
/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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Fonte: https://internacional.estadao.com.br/noticias/nytiw,primeira-guerra-mundial-derretimento-geleiras-alpes-italia,70003731761
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