domingo, 2 de janeiro de 2011

A ciência da felicidade

COMPORTAMENTO
 Cena do filme "A Suprema Felicidade" de Arnaldo Jabor

O que é capaz de fazer alguém feliz?
No mundo inteiro,
cientistas estão debruçados
sobre o tema

A última pesquisa internacional World Values Survey é uma voz com discurso superotimista. Durante 25 anos, alguns pesquisadores dedicaram-se a reunir os resultados de pesquisas nacionais representativas em 97 países, que perguntavam às pessoas se elas se consideravam muito, razoavelmente, não muito ou nem um pouco felizes. Todo esse interrogatório resultou no chamado índice de bem-estar subjetivo, uma expressão que, no fundo, quer dizer apenas o quão feliz você é, na língua dos cientistas. O índice acabou virando uma tabela cheia de números que pode ser traduzido em até que somos bem felizes. A Dinamarca aparece em primeiro lugar no ranking; O Brasil, em 30º. Entre 1991 e 2007, o número de brasileiros que dizem ser felizes aumentou em 15%. Só perdemos para o México, que chegou a 25%.
O problema é que, se de um lado juramos a pesquisadores que estamos vendendo felicidade, do outro somos obrigados a enfrentar uma realidade contraditória. A Organização Mundial da Saúde (OMS) aposta que em 2020 a depressão será a segunda causa de morte no mundo, perdendo apenas para doenças do coração. E tão surpreendente quanto essa sentença é saber que só a menor parte dos casos ocorrerá devido a tendências genéticas.
Outra pesquisa recente, da Faculdade de Medicina de Harvard, mostra que atualmente 80% das consultas médicas são devido ao estresse.
Talvez por isso, a felicidade – vista no passado como um assunto fútil no meio acadêmico – tenha ganhado outro status. Hoje, é tema de centros de pesquisa especializados na Europa, preocupa governos e autoridades, é protagonista de linhas de pensamento da psicologia e virou assunto batido de palestras motivacionais nas empresas. Inglaterra e França chegaram a encomendar a economistas e psicólogos pesquisas para estimar o grau de felicidade das suas populações. No Brasil, buscar a felicidade está em vias de virar oficialmente direito do cidadão, carimbado na Constituição pela PEC da Felicidade.
– A sociedade contemporânea prometeu muito. Consumo, progresso, modernidade. Veja os Estados Unidos hoje. Um país riquíssimo, mas onde a população é mais infeliz do que há alguns anos. E aí as pessoas se perguntam: “Poxa, cadê o pote de ouro?” É hora de repensar – reflete a psicóloga Lilian Graziano, autora da tese Felicidade Revisitada e diretora do Instituto de Psicologia Positiva.
Decifrar a felicidade tem deixado malucos psicólogos e pesquisadores. Por um motivo muito simples: ela é diferente para cada um e, ainda que os cientistas estabeleçam métodos de medição do nível de felicidade individual, esse índice será sempre relativo.
– Existe uma escala de respostas que te pergunta, de um a sete, quão feliz você se sente. Porém, um seis para mim pode ser diferente de um seis para você. Nunca saberemos – diz Lilian Graziano.
Para facilitar as coisas, a ciência decidiu criar uma definição que guia todas as pesquisas e serve, na verdade, como uma espécie de autodiagnóstico.
– Seria um balanço que se faz da própria vida e que inclui relações afetivas, sentimentos agradáveis e baixos níveis de humores negativos – explica Lilian.
E isso, é bom lembrar, não quer dizer estar contente o tempo inteiro.
– Não podemos estar superenergéticos o tempo todo, nem deveríamos querer – reflete o também adepto da psicologia positiva Jonathan Haidt, professor da Universidade da Virgínia (EUA). – Mas podemos ter como constante companheira a sensação de que temos uma vida plena, a qual batalhamos. Ser feliz depende do que você considera felicidade.
Há cerca de três anos a disciplina mais disputada na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, berço de uma quantidade incontável de gênios e profissionais bem-sucedidos nas mais diversas áreas, atendia pelo nome de introdução à economia. Hoje, uma revolução desse cenário serve para, no mínimo, se fazer uma reflexão sobre para onde caminham as preocupações humanas. No lugar da economia, cerca de 1,4 mil alunos disputam todos os semestres uma vaga nas aulas de psicologia positiva. Em outras palavras, brigam por uma chance de aprender a serem mais felizes, simples assim como quem aprende cálculo ou regras gramaticais na escola.
A psicologia positiva é uma linha recente de pensamento que tem conquistado adeptos nas universidades e clínicas. Simplificando, funciona mais ou menos como aquele ditado do prevenir ou remediar: entre curar doenças mentais ou cuidar do bem-estar das pessoas e prevenir para que elas não apareçam, melhor a segunda opção. Assim, as disputadíssimas aulas de Harvard são espécies de treinos para uma vida mais feliz.
– É muito mais do que só “vamos pensar positivo” – sublinha a psicóloga Lilian Graziano, uma das pioneiras da psicologia positiva no Brasil. – É educar para a felicidade. Uma aula prática de exercícios para que emoções positivas, como alegria, gratidão e perdão se sobreponham às negativas.
A busca dos universitários faz certo sentido, segundo o empresário Anderson Cavalcante, autor de As Coisas Boas da Vida. Para ele, felicidade leva mais ao sucesso do que o contrário. E, para provar, existem inclusive pesquisas. Uma delas constatou que, de um grupo de 1,5 mil universitários, 102 haviam se tornado milionários 20 anos após pegarem os diplomas. Deles, 101 tinham em mente, ao deixar a faculdade, mais ser feliz do que ter uma carreira bem-sucedida.
– O importante é saber que nunca é tarde para se aprender – incentiva Cavalcante. – Um dos caminhos é olhar para o administrador da sua vida, que é você, com os olhos de um chefe. Veja se concorda com as suas decisões, se elas estão no rumo das metas da “empresa” e analise, com muita frieza, se você demitiria ou promoveria essa pessoa. Então, comece a agir no sentido de arrumar a casa – ensina.
Se a felicidade é um enigma difícil de ser decifrado, significa, então, que o homem está condenado à eterna amargura? De acordo com a psicóloga Lilian Graziano, tanto chororô tem várias explicações. A primeira teoria é que, por questões de sobrevivência, acabamos condicionando nosso cérebro a prestar mais atenção às coisas negativas. A segunda questão é a mania de ver sempre o que falta. Há também a hipótese genética.
– Acredita-se que até 50% da nossa tendência à felicidade seja determinada pelos genes – aponta a psicóloga Sonja Lyubomirsky, autora de A ciência da Felicidade e uma das referências no assunto.
– Algumas pessoas conseguem ser infelizes em qualquer situação. São seus maiores inimigos, mas não podemos culpá-las. Ninguém escolhe seus genes – completa o psicólogo norte-americano Jonathan Haidt.
A última das teorias é a de que tanto pensar sobre a felicidade leva a frustrações. É como dizia o filósofo John Locke: “Pergunte a si mesmo se você é feliz, e deixará de ser”.
– Perseguimos a felicidade no pior sentido da palavra perseguir: com hostilidade, como quem persegue um animal selvagem – compara o historiador Darrin McMahon. – E o que acontece quando capturamos a presa? Precisamos matá-la ou então aprisioná-la.

Tempo de delicadeza
Há pouco tempo estava em cartaz nos cinemas brasileiros um outro olhar sobre a relação da humanidade com os problemas e com a alegria. O filme era A Suprema Felicidade, do cineasta e jornalista Arnaldo Jabor. Quando começou a escrever o roteiro, a história da adolescência e das muitas descobertas do personagem Paulo, Jabor tinha em mente lembranças da própria infância, “um tempo de delicadeza, mais esperança e mais certezas”, como descreve. “Não sei se a felicidade era mais fácil, mas era certamente mais simples”, constata. Dos 8 aos 18 anos, o protagonista, Paulo, apaixona-se, decepciona-se, apaixona-se de novo, conhece a noite carioca, aproxima-se do pai, de quem sempre fora distante. No fim das contas, percebe que a felicidade pode estar nas menores coisas, nas pessoas, nos lugares e pode mesmo durar alguns minutos, o que não a diminui.


Questão de Estado
Segundo a nova e repentina prioridade sobre a busca da felicidade, não basta investir em obras megalomaníacas, prometer os céus e apostar numa política econômica forte se isso não se refletir na sensação de bem-estar da população.
lançou consulta pública para definir como medir
o grau de felicidade dos britânicos

– A felicidade do cidadão é obrigação do Estado. É ele quem precisa dar ao seu povo condições para que a busca dele um dia gere resultados – defende o filósofo Ubirajara Carvalho, professor da Universidade de Brasília.
Há algumas semanas, o Reino Unido lançou uma consulta pública para definir como fazer uma pesquisa capaz de mostrar o grau de felicidade dos britânicos. Até se chegar a um consenso sobre essa metodologia, a população será interrogada sobre o que a faz feliz. Dinheiro? Amigos? Família? Segurança? Eles é que vão dizer.
Futuramente, a ideia é chegar a um índice trimestral, que será divulgado com o resultado do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
A iniciativa tem o aval do primeiro-ministro David Cameron, que diz que as informações serão úteis para nortear investimentos futuros – ou cortes, se preciso for. Na mesma linha, o presidente francês, Nicolas Sarkozy encomendou aos vencedores do Nobel de Economia Joseph Stiglitz e Amartya Sen uma pesquisa com o mesmo intuito da iniciativa dos ingleses.
 uma pesquisa a dois prêmios Nobel
para avaliar o nível de satisfação dos franceses
No Brasil, essa preocupação está em vias de tomar corpo pela Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 10/2010, de autoria do senador Cristovam Buarque, que ficou conhecida como PEC da Felicidade e tramita no Congresso. A intenção é incluir o direito à busca da felicidade na Constituição Federal. A proposta é uma espécie de resgate dos direitos sociais que andavam esquecidos, além de reforçar que eles são essenciais à felicidade, embora não suficientes. Assim, se for aprovada e passar a valer, a PEC vai alterar o artigo 6º da Constituição, que passará a ser: “São direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância”.
– A ideia é lembrar ao cidadão que esses direitos sociais são fundamentais para a felicidade. É fazer as pessoas entenderem que sem saúde fica difícil ser feliz, sem trabalho também – explica o senador. – É chamar a atenção para o fato de que uma escola é mais importante para a felicidade que um viaduto. Incentivar as pessoas para que elas busquem para si esses direitos, porque buscar “para todos” não funciona.
Um dos apoiadores da proposta é o Movimento Feliz, idealizado pelo publicitário Mauro Motoryn. Assim como o filósofo Ubirajara Carvalho, ele acredita que felicidade é um sentimento individual, mas que, se o Estado tiver condições de facilitar essa busca, então está mais que na hora de ajudar.
– Não é ajudar a encontrar um namorado – diz Motoryn. – É usar a felicidade como norteadora de políticas públicas. Por exemplo, se o governo tem que escolher entre investir uma verba no trem-bala ou na educação, é pensar: “O que vai trazer mais felicidade para a população?” E aí ele chega numa resposta que é óbvia – defende o publicitário. – É um resgate dos direitos básicos: alimentação, saúde, educação, e por aí vai. O processo leva muito em conta a mobilização social. As políticas públicas são muito importantes. O Brasil é um país alegre. Mas felicidade é diferente.
Todo mundo já o viu por aí, redondo, amarelo e sempre muito simpático. O Smiley, que virou símbolo da felicidade, nasceu em 1963 pelas mãos do designer Harvey Ball, por encomenda de uma empresa de seguros que queria levantar o astral dos funcionários depois de uma redução no quadro. Dizem que Ball recebeu apenas US$ 240 pela criação. Em 1970, foram vendidos mais de 50 milhões de broches do Smiley.
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Fonte: DONNA ZH, 02/01/2011

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