domingo, 2 de janeiro de 2011

Palavras-chave

MOACYR SCLIAR*


Estamos nos refundando, estamos nos reinventando, estamos na virada

Nos artigos científicos costuma figurar a expressão key words, palavras-chave. São termos que, se não chegam a resumir o que foi abordado, pelo menos dão uma dica a respeito. Nesse sentido, podemos dizer que 2010 teve suas palavras-chave, palavras ou expressões que, mesmo tendo existência anterior, apareceram repetidamente durante o ano, na mídia, em discursos de políticos ou de formas variadas. E quais são essas palavras?

*****

A primeira delas foi objeto de minha coluna do domingo passado. É reinventar. Não é palavra nova. Já dizia um poema da grande Cecilia Meireles (1901-1964): “A vida só é possível/reinventada.”Em 2010, contudo, reinventar voltou ao vocabulário. Dizia uma notícia sobre o Corinthians: “Timão se reinventa em 2010” (mas não ganhou o campeonato no ano de seu centenário; no caso, reinventar não foi suficiente). Em Belo Horizonte músicos de pagode se reuniram e criaram o grupo Reinventar. Um documentário (TV Cultura) sobre o heterodoxo psicanalista francês Jacques Lacan recebeu o título de Reinventar a psicanálise. Renovar a Teoria Crítica e Reinventar a Emancipação Social é o título de um livro do sociólogo Boaventura de Souza Santos.

Refundar. Dizia uma notícia de dezembro: “Senador eleito por Minas, Aécio Neves conseguiu o apoio do governador eleito de São Paulo, Geraldo Alckmin, e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para seu projeto de refundar do PSDB”. O que quer dizer isso, refundar? Para alguns dicionaristas de maus bofes a palavra significa tornar mais fundo, afundar, mas certamente não era isso que Aécio pretendia, a menos que seja um político maquiavélico, o que não é o caso. Refundar significa fundar de novo, em outras bases. Um pouco mais que renovar, sem chegar ao nível de revolucionar. A propósito, FHC, citado na notícia, não é muito fã do termo, pelo menos quando usado pelos adversários. Tempos atrás considerou “um tanto pretensiosa” a declaração do ministro da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins, de que o Ministério das Comunicações precisa ser “refundado” no Brasil. “É a mania de refundar tudo. Lula não começou o Brasil de novo?”, ironizou. “Agora todo mundo quer refundar. Isso é conversa, precisa melhorar, precisa aperfeiçoar.”

Virada. Outra palavra que esteve na moda em 2010, e numa variedade de situações, todas elas destinadas a atrair um grande público. Para começar, Virada Cultural foi a expressão que a Casa de Cultura Mário Quintana usou para a maratona de atividades que comemorou 20 anos da instituição, incluindo shows musicais, encenações teatrais, sessões de cinema, oficinas, workshops, atividades infantis. Viradas culturais ocorreram também em São Paulo, em Curitiba e em outras cidades. Em outubro realizou-se, em São Paulo, a Virada Imobiliária, um evento que disponibilizou abundante crédito para a aquisição de imóveis. Em novembro, São Paulo realizou a Virada Esportiva 2010: 36 horas de atividades esportivas e recreativas em vários lugares da capital paulista. E a loteria de fim-de-ano foi a Mega-Sena da Virada. Muita virada, portanto.

****

Qual o denominador comum dessas palavras? É a mudança. O Brasil quer mudar, e está mudando. Com algumas exceções (a explosão da droga, a corrupção, os problemas do trânsito) as mudanças tem sido benéficas. Estamos nos refundando, estamos nos reinventado, estamos na virada. E isto, considerando o triste passado do nosso país, é muito bom. Antecipa um grande 2011.
____________________________
* Médico. Escritor. Colunista da ZH.
Fonte: ZH online, 02/01/2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário