MARCELO GLEISER*
Imagem da Internet
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Se a vida é fruto da luta contra a entropia
que não pode ser evitada,
é ainda mais bela por ser frágil
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ACONTECEU NOVAMENTE, mais um ano passou. Alguns acham que passou rápido, outros devagar. Queremos aprender com nossos erros, evitá-los, começar novas atividades, dietas, exercícios, um blog novo, trabalhar como voluntários em alguma ONG "do bem". Fazemos isso para tornar o ano novo realmente novo, separá-lo daquele que acaba de terminar, torná-lo melhor e, nesse processo, melhorarmos também.
Somos artesãos, construímos para desfazer a tendência da natureza a desfazer as coisas. Tentamos trazer ordem, um senso de controle sobre a desordem que nos cerca: cosmos (ordem) versus caos.
Alguns podem discordar do que afirmei acima, da ideia de que a natureza tende a desfazer as coisas.
Diriam que vemos ordem por toda a parte, nas flores, no arco-íris e, claro, em nós mesmos. Segundo as leis da termodinâmica, em particular a segunda, a desordem (entropia) tende a aumentar num sistema fechado. E nós, as flores e outras estruturas naturais não somos um sistema fechado: trocamos energia uns com os outros e, mais importante, recebemos energia do Sol. Somos criaturas solares, dependemos dele para sobreviver.
"Quanto mais nos preocupamos
com o "fim",
menos vivemos o agora.
Nós e todas as criaturas vivas
(e as estruturas ordenadas não vivas,
como os furacões e o arco-íris)
somos quem faz a diferença.
Eis a riqueza das estruturas organizadas
que emergem na
rota em direção à desordem -essas guerreiras
contra o decaimento
final da matéria."
Muitas das estruturas organizadas que vemos à nossa volta, furacões, ondas e tempestades, todos os seres vivos, podem ser interpretados como mecanismos para aumentar a desordem cósmica, degradando a luz que vem do Sol, transformando-a em radiação infravermelha que a Terra emite para o espaço. A segunda lei diz: essas estruturas são meros obstáculos ao inexorável fim, quando a desordem triunfará. Esse tipo de pensamento deprimia muita gente no século 19. Ainda o faz hoje.
Está na hora de mudar o foco; algo mais a fazer nesse novo ano.
Quanto mais nos preocupamos com o "fim", menos vivemos o agora. Nós e todas as criaturas vivas (e as estruturas ordenadas não vivas, como os furacões e o arco-íris) somos quem faz a diferença.
Eis a riqueza das estruturas organizadas que emergem na rota em direção à desordem -essas guerreiras contra o decaimento final da matéria. Olhar para as coisas de forma unidimensional nos leva à uma visão distorcida da realidade. Alguns acham que ciência é isso, que usa apenas a razão para compreender a Natureza. Pelo contrário, existem muitas formas de olhar para um arco-íris, e cada uma tem o seu objetivo e a sua importância.
Só quando olhamos para um arco-íris de modos diferentes é que podemos admirá-lo em sua plenitude. Cientistas não são unidimensionais.
Não usamos apenas a razão para explorar a natureza. Buscar explicações para os fenômenos naturais é, como disse Einstein, uma forma de devoção religiosa. Admirar uma flor ou um arco-íris por sua beleza e tentar entender suas funções dentro da natureza os torna ainda mais belos.
A palavra religião vem de "religare", reconectar. Mas com o quê? Escolhas diferentes para religiões diferentes. Ao buscarmos as leis que descrevem a natureza e suas criações, estamos nos reconectando com nossas origens cósmicas. Esse é o meu "religare", que traz sentido à minha vida e lhe dá direção. Se a vida é fruto da luta contra o inexorável crescimento entrópico e o decaimento material, é ainda mais bela por isso. Por que não chamá-la, afinal, de sagrada?
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*MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"
FONTE: Folha online, 02/01/2011
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