Luiz Gonzaga Belluzzo*
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"Vejo-nos livres para voltar a alguns dos mais seguros
e tradicionais princípios da religião e
da virtude tradicional - de que a avareza é um vício,
a usura uma contravenção,
o amor ao dinheiro algo detestável.
Valorizemos novamente os fins acima dos meios e
preferiremos o bem ao útil.
Honraremos os que nos ensinam a passar virtuosamente
e bem a hora e o dia, as pessoas agradáveis capazes de ter
um prazer direto nas coisas,
os lírios do campo que não mourejam nem fiam."
J. M. Keynes em "Perspectivas Econômicas para Nossos Netos".
Autor de três volumes sobre a vida e obra do celebre economista, Robert Skidelsky, entregou à praça recentemente o livro "The Return of the Master". Digo ao leitor que o livro, um ensaio, nos apresenta um Keynes mais revolucionário e inovador do que o revelado na alentada biografia em três volumes.
A transfiguração do economista defunto nas mãos de seu biógrafo mais badalado coincide com a derrocada intelectual da teoria econômica dominante nas últimas quatro décadas. Os assim chamados "economistas clássicos", de Alfred Marshall a Pigou, criticados por Keynes em tantas ocasiões, eram tão razoáveis quanto modestos, se comparados aos desatinos "científicos" cometidos desde os anos 70 pelos figurões da Teoria Econômica.
A escola Nova Clássica, por exemplo, levou ao paroxismo, para não dizer ao ridículo, as hipóteses construídas a partir do agente racional e da tendência ao reequilíbrio "espontâneo" dos mercados. Na concepção dos novos economistas, a sociedade econômica é formada por indivíduos racionais e maximizadores, partículas obcecadas pelo calculo utilitarista e que jamais alteram o seu comportamento na interação com as outras partículas carregadas de "racionalidade".
Skidelsky vai fundo ao argumentar que os economistas definem o comportamento racional como o comportamento consistente com seus próprios modelos. Todas as outras formas de comportamento são tratadas como irracionais, configurando um enorme projeto ideológico incumbido de definir os humanos como pessoas que acreditam nas coisas que os economistas pensam sobre eles.
As teorias do comportamento "racional" pressupõem que os agentes são movidos pelo autointeresse e pelo conhecimento quantificável. Eles fazem escolhas inteligentes entre vários futuros possíveis, o que permite à teoria das expectativas racionais concluir que eles podem convergir para apenas um futuro possível."
Keynes construiu uma teoria das decisões privadas quanto à posse da riqueza em condições de incerteza. Argumentava que não é possível a avaliação inequívoca dos resultados mais vantajosos mediante o cálculo de probabilidades. As pessoas, diz Athol Fitzggibons, agem movidas pelo autointeresse inteligente, mas apoiadas num conhecimento não quantificável. Na vida real dos mercados, os empresários, tangidos pelo otimismo quanto aos resultados dos novos empreendimentos, atropelam o medo do futuro e decidem produzir nova riqueza. Mas o sucesso não aplaca, senão excita o desejo, suscitando a febre de investimentos excessivos e mal dirigidos, crédito excessivo e bolhas especulativas.
A meta é evitar os ajustamentos deflacionários e manter a trajetória do pleno emprego
Em sua obra "keynesiana" - hoje reconhecida como inovadora e fundamental para a compreensão da dinâmica dos mercados financeiros e, portanto, do capitalismo realmente existente - Hyman Minsky desmonta a dicotomia racionalidade/irracionalidade. Cuida de demonstrar que os possuidores de riqueza tomam suas decisões em um determinado ambiente institucional em que se digladiam, em interminável batalha, constrangimentos públicos e incentivos privados.
Keynes investiu seu esforço teórico na avaliação das consequências das decisões sobre a posse da riqueza tomadas em condições de incerteza radical e intratável. Em seu sistema, a estabilidade é desestabilizadora, porque os confortos das decisões privadas bem-sucedidas tornam frouxa a percepção dos riscos e estimulam, sob a euforia do crédito fácil, a formação de posições nos balanços que caminham das cautelas do hedge para a insanidade das pirâmides do Ponzi.
Por isso, Keynes insistia "na direção inteligente pela sociedade dos mecanismos profundos que movem os negócios privados". As instabilidades da economia monetária da produção só podem ser neutralizadas mediante a ação jurídica e política do Estado Racional e pela atuação de "corpos coletivos intermediários", como, por exemplo, um Banco Central dedicado à gestão consciente e socialmente responsável da moeda e do crédito.
A filosofia social exposta na epígrafe acima e na Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda orienta as recomendações de política na direção de quatro objetivos fundamentais: 1) a socialização do investimento, ou seja, a definição de um orçamento de capital do governo destinado a amortecer as tendências à instabilidade do investimento privado; 2) a eutanásia do "rentier", entendida como o controle pela autoridade monetária do poder monopolista exercido sobre a sociedade pelos detentores e administradores do capital líquido e do crédito; 3) a redistribuição de renda, mediante o uso da política fiscal, com o propósito de auxiliar na estabilização do investimento e, finalmente, 4) a construção de instituições internacionais públicas que permitam o ajustamento sem traumas cambiais e monetários dos déficits (e superávits) dos balanços de pagamentos. Isto significava, na verdade, dentro das condicionalidades estabelecidas, facilitar o crédito aos países deficitários e penalizar os países superavitários. O propósito de Keynes era evitar os ajustamentos deflacionários e manter as economias na trajetória do pleno emprego.
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*Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo , ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve toda primeira terça-feira do mês.
*Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo , ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve toda primeira terça-feira do mês.
Fonte: Valor Econômico online, 04/01/2011
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