Juremir Machado da Silva*
Crédito: ARTE PEDRO LOBO
Quantos sabem hoje, no Brasil, quem foi Jean Genet? Quantos ainda o leem no seu país, a França? No último dia 19, os que ainda lembram dele festejaram cem anos do seu nascimento. A revista Magazine Littéraire dedicou-lhe uma edição. Genet viveu no tempo, não muito distante, em que a literatura provocava escândalo sem bruxinhos, duendes, magos ou vampiros. Depois dele, só Michel Houellebecq conseguiu sacudir a cidadela empoeirada da chamada "instituição literária". Genet começou a escrever na prisão de Fresnes. Ele foi certamente o maior maldito da literatura europeia do século XX. Filho de uma operária e prostituta, de pai desconhecido, foi entregue muito cedo aos cuidados de uma família de marceneiros.
A vida de Genet foi um romance cheio de peripécias: bom aluno, parou logo de estudar. Passou por um tratamento psiquiátrico, esteve no Exército, atravessou a França a pé, perambulou pelo Norte da África, desertou, praticou pequenos delitos. Homossexual, viveu grandes e trepidantes amores enquanto a Europa mergulhava nas trevas do nazismo e da guerra. Preso em flagrante, quando praticava um furto, de posse de uma arma e de documentos falsos, foi parar na prisão. Identificado como desertor, diagnosticado como "desequilibrado e amoral", foi ao fundo do poço. Em 1942, na prisão de "la Santé", em Paris, começou uma obra-prima, "Notre-dame-des-fleurs". Em poucos anos, seria reconhecido como um escritor genial. Para alguns, no seu gênero, o mais genial depois de Sade. Virou autor da prestigiosa editora Gallimard.
"Genet escrevia com as tripas.
Não fazia concessões.
Queria a revolta, não a revolução.
Buscava a liberdade total.
Nada de migalhas."
Jean-Paul Sartre o imortalizou com um texto intitulado "São Genet, comediante e mártir", em 1952. Admirado, adulado e incensado, Genet foi sempre um maldito. Jamais renegou suas ideias. Jacques Derrida chegou a dizer que a obra de Genet escapava de qualquer grade de interpretação filosófica, psicanalítica e moral. Em 1949, Sartre e Jean Cocteau organizaram um abaixo-assinado pedindo o perdão do resto do tempo de pena que lhe cabia cumprir. Deu certo. Livre, Genet, passa um tempo sem inspiração. Viaja, lê, ama e, finalmente, volta a escrever. "Pompas Fúnebres" é um dos seus melhores textos. Depois de anos instalado no Marrocos, Genet voltou à França. Morreu na madrugada de 15 de abril de 1986 num hotelzinho parisiense. Genet escrevia com as tripas. Não fazia concessões. Queria a revolta, não a revolução. Buscava a liberdade total. Nada de migalhas.
A montagem de "O Balcão", de Genet, fez muito sucesso no Brasil. Por que, mesmo famoso, Genet continuou um maldito? Porque se tornou um dos mais ácidos críticos da hipocrisia da alta sociedade francesa, do racismo dominante no Ocidente, da homofobia e das políticas de Estado voltadas para a imposição dos interesses dos mais fortes. Tornou-se amigo dos "black panthers" americanos, apoiou os estudantes em 1968, denunciou o horror das prisões e foi, em 1982, o primeiro europeu a testemunhar o massacre de palestinos praticado por milícias aliadas de Israel. Quem puder, leia "Quatro em Chatila". Genet via-se como um "inimigo declarado" dos podres poderes.
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* Filósofo. Escritor. Jornalista. Professor universitário.
Fonte: Correio do Povo online, 02/01/2011
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