quinta-feira, 14 de julho de 2011

Felizes por direito – por que não?

Paulo Ghiraldelli Jr.*

Imagem da Intenet

Todo dia há quem invente uma síndrome nova. E então, embevecido com a invenção, o jornalista ou escritor responsável por tal feito aparece na imprensa com a novidade-que-explica-tudo. Li uma dessas invenções hoje, mandada pelo leitor Alessandro, engenheiro. Trata-se de um texto de Eliane Brum, que ele diz desconhecer. O texto foi publicado na revista Época. Conta que o grande problema da educação dos pais, hoje, é que há uma ideologia disseminada entre os jovens, e que põe tudo a perder. Eles acreditariam, hoje em dia, que têm o direito de serem felizes unicamente por existirem. Eles estariam se refestelando em todo e qualquer lugar, merecedores de tal direito, e então reclamariam estridentes diante de dificuldades que, enfim, eles veriam como sendo algo da competência e do dever dos pais.
O texto de Eliane Brum diz mais coisas do que eu analiso aqui. Mas, o centro de sua argumentação é, sim, uma certa implicância com a juventude que ela chama de “juventude ‘eu mereço’”. Será mesmo que essa juventude pode ser assim chamada?
Foucault e os filósofos da Escola de Frankfurt souberam ensinar que toda denúncia de ideologia é ela própria tão ou mais ideológica que a ideologia supostamente denunciada. Esse é o caso: a cobra morde seu próprio rabo e vai engolindo a si mesma. A desgraça é que faz isso talvez sem saber que a fome que sente vai passando à custa de seu próprio corpo. Tendo isso em mente, penso em escapar dessa denúncia de Brum.
Nossa juventude estaria mesmo envolta em um egocentrismo acrítico? Estariam dando vazão a um egoísmo exacerbado, tornando-se incapazes de ver o outro? Seriam nossos jovens, ou seja, nossos filhos, realmente pessoas que exigem serem felizes a qualquer preço?
Eu gostaria de poder endossar a tese de Brum. Ela me seria confortável. Sou pai. Também tenho lá minhas desavenças com meus filhos. Mas, tenho refletido sobre o assunto, de modo a ver mais perspectivas.
A primeira dúvida que me veem à cabeça é a seguinte: há mesmo uma juventude que se vê ungida pelo direito de ser feliz? Durante anos a democracia liberal, que é o regime social e político hegemônico no ideário do Ocidente moderno, prometeu a todos nós que seríamos indivíduos autônomos. Que iríamos ser assim tratados. Teríamos liberdade individual e viveríamos a igualdade perante a lei. Depois, com certo apoio comunitarista ao ideário liberal, os grupos que não pudessem acompanhar o tipo de vida liberal, com suas benesses, passariam pela política do reconhecimento e, então, por força de políticas de ação afirmativa ou coisa semelhante, também seriam alavancados para uma posição em que poderiam usufruir da sociedade de direitos e de bem estar prometidas. Agora, isso foi promessa. Nem sempre se realizou para todos, numa modalidade ou outra, liberal pura ou liberal-comunitária. Nós todos, então, começamos a ensinar os nossos filhos a reivindicar direitos. Mas não ficamos só na lição para os nossos filhos. Começamos a falar para os filhos dos outros que eles também tinham direitos. Nós, escolarizados em nível superior, ensinamos para nossas sociedades no Ocidente que não era preciso ser filho de Deus ou da Natureza para termos o direito de todas as benesses da vida. Bastava estarmos vivos para termos direito ao que passamos chamar de bem estar e, de forma romantizada, de felicidade. Ora, não fizemos ideologia nenhuma. Demos ensinamento. E nossos filhos aprenderam a lição.
"O texto de Eliane Brum diz mais coisas
do que eu analiso aqui.
 Mas, o centro de sua argumentação é,
 sim, uma certa implicância com a juventude
que ela chama de “juventude ‘eu mereço’”.
Será mesmo que essa juventude
pode ser assim chamada?"

Nossos filhos aprenderam a lição que um dia até virou slogan de uma geração: “você nasceu para ser uma estrela”. Isso se confundia com a política, inclusive partidária. A ideia básica era esta: todos nós temos o direito de realização pessoal, ou seja, individual. Ser uma estrela: ser único. Abrir a boca para o sorriso de estar individualmente e talvez até solitariamente realizado e, por isso, feliz. Por que não?
Olhamos para a Primavera Árabe hoje e não somos capazes de falar o que a Eliane Brum falou de nossos jovens. Ao contrário! Ficamos contentes de ver que eles aprenderam pelas redes sociais a lição que não ensinamos a eles, mas aos nossos filhos. Eles querem ter uma individualidade, um “lugar ao sol”. Querem sair da prisão de tribos, de regimes autocráticos, querem ganhar o direito de serem felizes de um modo ocidental, ou seja, usufruírem da ideia de autonomia. Querem ser felizes independentes da tribo ou da religião, como indivíduos, como compradores e vendedores, como pessoas – absorveram a ideia de curtirem o sentimento da felicidade como sentimento subjetivo e individual. Estamos aplaudindo essa decisão, ao falarmos publicamente. Mas, aqui, privadamente, estaríamos negando isso, amargando o modo como nossos filhos teriam aprendido essa mesma lição. Vemos agora essa lição como ideológica. É isso que, no fundo, Brum endossa – consciente ou inconscientemente.
Teríamos então de falar para os jovens árabes que o mundo que os espera é este: o mundo ideológico do individualismo juvenil egoísta? Mas esse é o discurso que muitos fizeram para os jovens que se libertaram do comunismo em 1989. Alguns diziam: “vocês vão ver; vocês vão sentir saudades do comunismo!” Que bobagem. Passado duas décadas, ninguém tem saudades de socialismo ou comunismo algum. O socialismo ou comunismo viraram nomes sinônimos de opressão. E assim estamos até hoje. Ninguém seria honesto falando sobre saudades do comunismo hoje e, assim também, ninguém entre esses que estariam na pele dos pais caracterizados por Eliane Brun teriam coragem de ir falar aos jovens árabes que o que eles estão pedindo não dá certo. Não podemos falar isso. Pois não achamos que não dá certo. E não temos elementos para falar que não deu certo – pois o que Brun está dizendo, tem pouco a ver com a maioria de nós.
Filosofia não é sociologia e, portanto, não precisamos de estatísticas para falar sobre correntes de ideias e mentalidades. Exemplos singulares já bastam. Para não ter de compactuar com a leitura que Eliane Brum faz de nossa juventude podemos, então, sacar da manga do colete a entrevista de Casagrande no último domingo, no programa do Faustão. Contou o ex-jogador que sentiu um enorme vazio dentro de si ao parar de jogar. Então, a droga o pegou. O que ele não sabia é que ele tinha propensão para ser um dependente químico. Isso não tem cura. É preciso estar sempre alerta. Quem bancou o tratamento e agiu de modo pouco egocêntrico e egoísta, para que Casagrande não se perdesse de vez? Os adultos em volta de Casagrande? Não! Foram seus filhos, entre 19 e 25 anos. Foram eles que internaram o pai e sustentaram uma situação que só quem tem maturidade e só quem não quer ser feliz de modo fácil enfrenta. O programa do Faustão de domingo passado (dia 10 de julho) derruba a tese de Brun facilmente, se pensarmos que ele mostra um retrato claro, que nem de longe é um fato isolado. Até porque, fatos isolados assim não são possíveis. Os filhos da Casagrande vivem nessa sociedade, não vieram de Plutão. Eles são de classe média, e tiraram forças para lidar com a situação exatamente do meio que Brum diz que não age desse modo.
Caso nossa sociedade não tivesse uma cultura que diz que a felicidade é um direito legítimo, mas que ela é apenas um pedido idiossincrático de moleques que a querem por mágica ou milagre, nenhum filho do Casagrande existiria como existem – atuantes de modo a enfrentar uma situação que exigiu deles um comportamento que nenhum adulto teve. De onde tiraram o aprendizado para tal? Ora, dessa nossa sociedade que está longe de ser uma sociedade em que a juventude cultivaria em uníssono a tese de que o mundo deve, por obrigação, fazer dos filhos felizes. Não! Os meninos viram que os pais não lhes dariam felicidade; ficaram cientes que o pai, em especial, estava é se destruindo. E agiram. Agiram de modo correto. Não foram deuses, foram apenas bípedes-sem-penas que, pelo que fizeram, poderiam mostrar para Brum que ela não pode escrever o que escreveu sem perceber que inventou para além do que podemos inventar.
Nossa sociedade, por anos, impediu muitos de nós de pensarmos na ideia da felicidade individual. Nossa sociedade é, ainda, uma sociedade que visa negar, por todos os poros, a busca de felicidade. Nossa sociedade faz proliferar religiões e procedimentos morais que dizem para os jovens que eles devem viver no sacrifício. Nossa sociedade ainda não saber usar a expressão “tirar vantagem” como outras sociedades democráticas sabem fazer, sem culpa e sabendo que “vantagem” não é sinônimo de pecado. A vida do brasileiro ainda é a de sonhar pouco. Somos um povo que cultiva a resignação. “Ah, não deu, não faz mal, Deus não quis” – é assim que a maioria dos brasileiros diz todos os dias. Entres estes, estão muitos jovens. “Ah, não deu para mim, tudo bem, o importante é ficar com aquilo que é merecido, que Deus reservou”. É isso que nossa juventude diz. Que alguns babacas digam “meu pai tem de me dar” é alguma coisa que não corresponde ao que o grosso da juventude brasileira diz. Porque o grosso da juventude brasileira é, antes de tudo, brasileira, e temos sido um povo cuja maioria pede pouco, até de modo a deixar a minoria ficar com muito. Dizer que somos pecadores porque agora há quem entre nós diga “eu nasci para ser feliz” é alguma coisa que eu não digo. De modo algum. É errado.
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* Filósofo, escritor e professor da UFRRJ.

Um comentário:

  1. Zelmar,

    Excelente texto provocou-me reflexões. Parabéns pela escolha!
    Acabo de colocar um link no meu Blog indicando o seu Blog.
    Um abraço!

    E por falar em jovens... creio que está frase, que criei quando jovem, é bastante pertinente:

    "Toda lagarta é uma borboleta em potencial!" Carlos Kurare

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