terça-feira, 12 de julho de 2011

Literatura x Máfia italiana

A Máfia nas páginas

Autores se reuniram em Lamezia Terme, na Calábria, sob forte esquema de segurança
Festival de literatura no sul da Itália reúne autores
e promotores, e discute cenário
do crime organizado no país

Com a presença do esquadrão antibombas, carros blindados para vários dos palestrantes, pelotões de guarda-costas, e armas de fogo suficientes para municiar uma insurreição, “Trame” (“Tramas”) foi um inusitado festival literário. Realizado recentemente em Lamezia Terme, o evento de cinco dias criou um grave problema de segurança, já que tinha como tema os recentes livros sobre a Máfia, vários dos autores presentes tiveram suas vidas ameaçadas, e o evento foi realizado no sul da Calábria, uma região que há muito tempo é controlada pelos clãs de mafiosos.
Os dois homens por trás do festival são Tano Grasso, sob proteção policial desde 1991 por fundar a primeira associação anti-contravenções da Itália, e Lirio Abbate, um jornalista de Palermo, cujo livro de 2006, I Complici (“Os Cúmplices”), escrito em conjunto com Peter Gomez, resultou em ameaças de morte e proteção policial 24h.O prefeito de Lamezia Terme, Gianni Speranza, que aprovou o financiamento público de € 80 mil para o festival, recebeu balas pelo correio quando foi eleito pela primeira vez em 2005, e mantém guarda-costas há anos. Dois assassinatos na cidade ligados à Máfia no mês passado, foram um lembrete dos métodos dos clãs da região.

"A Máfia é um assunto difícil,
mas o festival foi agendado entre
dois feriados religiosos locais e a rua principal
foi iluminada para o evento,
que foi, de fato, luminoso, em outro sentido.
Estudantes do norte e da Itália central
se juntaram à população local
nos debates que começavam no início da noite
e seguiam pelas madrugadas,
provando que a
consciência civil não foi esmagada"

Ainda assim, a maioria dos 55 trabalhos apresentados lidam com assuntos que vão além do poder de fogo da Máfia, que mata e fere. Mafia a Milano (“Máfia em Milão”) , de Mario Portanova e ‘Ndrangheta Padana, de Enzo Ciconte, analisam como os grupos mafiosos penetraram na economia e na sociedade do norte da Itália. Para escreve DisOrdini (“Desordens”), Alessandro Cali, um engenheiro de Palermo, investigou como os mafiosos e seus aliados entraram no ramo da engenharia e se tornaram membros de outras organizações semelhantes. E vários membros da magistratura falaram sobre seus trabalhos, entre eles, Roberto Scarpinato, que levou Giulio Andreotti aos tribunais e expôs os laços do então primeiro-ministro com a Cosa Nostra. Seu livro, Il Ritorno del Principe (“O Retorno do Príncipe”), tem como foco as ligações entre a política e a Máfia, e o que ele chama de “criminalidade da classe governante italiana”. Em Le Due Guerre (“As Duas Guerras”), Gian Carlo Caselli, que assumiu, voluntariamente, o cargo de promotor-chefe de Palermo, depois que dois juízes, Giovanni Falcone e Paolo Borsellino, foram assassinados em 1992, explica porque a Itália derrotou o terrorismo político, mas nunca conseguiu se livrar da Máfia.
“Livros sobre a Máfia vendem bem se entregam nomes de políticos ou empresários”, diz Lorenzo Fazio, que, em 2007, fundou a Chiarelettere, uma editora independente que lançou o livro de Scarpinato, e com ele ultrapassou a marca de 30 mil exemplares vendidos. Metastasi (“Metástases”), de Gianluigi Nuzzi e Claudio Antonelli, que trata das relações entre os políticos da Liga Norte, e a ‘Ndrangheta, a máfia da Calábria, e rendeu à Chiarelettere e aos autores processos por difamação, vendeu mais de 60 mil cópias desde que foi lançado há seis meses. Riscos legais são um problema para os livros sobre a Máfia. Outro é a distribuição. Livrarias no sul do país relutam em mantê-los no estoque, afirma Florindo Rubbettino, cuja empresa calabresa publica 15 livros sobre o assunto anualmente. Rubbettino era um dos quatro editores com pontos de venda na rua principal de Lamezia Terme; outros foram acolhidos por organizações civis e pelas livrarias da cidade.
A Máfia é um assunto difícil, mas o festival foi agendado entre dois feriados religiosos locais e a rua principal foi iluminada para o evento, que foi, de fato, luminoso, em outro sentido. Estudantes do norte e da Itália central se juntaram à população local nos debates que começavam no início da noite e seguiam pelas madrugadas, provando que a consciência civil não foi esmagada. “Estou maravilhado com o resultado final do festival”, disse Speranza, fazendo jus a seu sobrenome (“Esperança”, em italiano).
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Fontes: The Economist - "Fearless words"
http://opiniaoenoticia.com.br 12/07/2011

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