CLÁUDIA LAITANO*
“THE DIVISION BELL” (1994), DO PINK FLOYD - Imagem da Internet
Roger Waters nasceu em 1943, na Inglaterra, durante a II Guerra. Seu pai morreu em combate, na Itália, antes de o filho caçula completar um ano. Aos 15, o mesmo menino politicamente engajado que já fazia campanha pelo desarmamento nuclear era um aluno deslocado e ressentido. “Odiei cada segundo passado na escola”, contou ele em uma entrevista. “O regime era opressivo, e as mesmas crianças que sofriam bullying dos colegas também eram humilhadas pelos professores.” Anos depois, o garoto que cresceu odiando a guerra, a escola e todo tipo de poder exercido pela força fundou uma banda chamada Pink Floyd e contou sua história em um disco que se tornaria um dos mais influentes e bem-sucedidos da história do rock.
The Wall, o disco, foi lançado em 1979. O filme, dirigido pelo cineasta britânico Alan Parker e com Bob Geldof no papel do roqueiro atormentado e depressivo, é de 1982. Em julho de 1990, quando o muro mais famoso do mundo já havia virado poeira e relíquias, Roger Waters apresentou em Berlim um espetáculo monumental baseado no disco, concebido para celebrar o fim de uma era em que os muros da vergonha não eram apenas metafóricos. Em 2010, o ex-líder do Pink Floyd retomou The Wall em uma turnê mundial – e é uma versão visualmente grandiosa desta ópera-rock autobiográfica que chega a Porto Alegre em março do ano que vem. (Leia mais no Segundo Caderno de hoje.)
"O problema é que tanto a rigidez
dos anos 50 quanto o vácuo
de autoridade da nossa época
parecem extremos de desequilíbrio."
Alguns dos temas tratados em The Wall – a banalidade do mal, a estupidez da guerra, a solidão da fama – mantêm-se atuais como se as músicas tivessem sido escritas ontem. Mas a canção que de certa forma sintetiza o espírito de rebelião juvenil do disco, Another Brick in the Wall, tornou-se curiosamente anacrônica em tempos de escolas conflagradas pela indisciplina e com dificuldade para legitimar qualquer tipo de hierarquia em sala de aula. A letra que fala de professores que humilham os alunos (“No dark sarcasm in the classroom”) e tentam controlar o que eles pensam (“We don’t need no thought control”) parece fazer menos sentido agora do que há 50 anos, quando Roger Waters frequentava a escola. O problema é que tanto a rigidez dos anos 50 quanto o vácuo de autoridade da nossa época parecem extremos de desequilíbrio. Qualquer adolescente de hoje provavelmente ainda entende, e assina embaixo, um refrão que diz: “Hey, teachers, live the kids alone” (algo como “ô, professor, larga o pé dos alunos”), mas o tempo parece ter corroído o sentido original da frase, que em vez de grito de libertação de alunos oprimidos pode facilmente soar como a ordem de um estudante mimado para o sujeito atônito lá na frente, tentando bravamente convencer seus alunos de que eles têm, sim, alguma coisa para aprender com os adultos: “Ô, psor, não enche o nosso saco!”.
Nos anos 90, um gaiato compôs uma divertida versão de Another Brick in the Wall com a letra do Atirei o Pau no Gato (“Ei, Chica, deixa o gato em paz...”). Em 2011, não seria surpreendente uma versão do clássico de Roger Waters que invertesse totalmente os papéis de oprimidos e opressores e cantasse, como um lamento: “Hey, kids, leave the teacher alone!”.
-----------------------* Colunista da ZH
Fonte: ZH on line, 02/07/2011
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