quinta-feira, 7 de julho de 2011

"Sou encalhado no passado", diz Antonio Candido em Paraty

9ª FESTA LITERÁRIA INTERNACIONAL DE PARATY

Crítico literário abriu ontem a 9ª edição da Flip
contando histórias do amigo Oswald de Andrade
Recluso e geralmente avesso a entrevistas,
Candido afirmou que sua carreira intelectual está "encerrada"

Letícia Moreira/Folhapress
O crítico literário Antonio Candido participa
da mesa de abertura da 9ª edição da Flip

Com uma rara e confessional entrevista e uma conferência informal, marcada pelo bom-humor, o crítico literário Antonio Candido, 92 anos, abrilhantou o primeiro dia da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty).
Ele abriu ontem à noite a nona edição da festa contando casos do amigo Oswald de Andrade (1890-1954), o homenageado do encontro.
Mais cedo, em conversa com jornalistas, definiu-se como um "sobrevivente" e disse que sua vida intelectual estava "completamente encerrada" -só estava ali pela amizade com Oswald.
"Escrevo ainda em máquina de escrever, não sei o que é computador. Comigo não adianta perguntar coisa moderna, sou um homem do passado. Eu sou encalhado no passado. Sou conservador. Uso bigode, ainda. Os jovens usam barba."

"Eu tô completamente fora do mundo literário.
Eu saio perdendo, evidentemente.
 Há cerca de 20 anos eu não leio coisa nova"


Candido avaliou a atual crítica literária brasileira, que para ele "não corre risco nenhum", pois só analisa autores consagrados.
Ao subir ao palco da Tenda dos Autores, o crítico repetiu o que deixara claro desde cedo: não falaria especificamente sobre a obra nem sobre a biografia de Oswaldo (ele insiste em usar o "o" ao fim do nome do modernista), mas sobre a "personalidade literária" do escritor.
Ao fazê-lo, em tom de conversa, seduziu a plateia que lotou a tenda e arrancou riso dos presentes, ao relatar suas brigas com Oswald e excentricidades do escritor.
Disse que Oswald soube usar o riso como uma grande arma do modernismo.
Candido classificou de "patética" a situação vivida entre Oswald e Mário de Andrade -que brigaram e não fizeram as pazes, como era comum no caso do primeiro.
Confessou que, no fim da vida, Oswaldo lhe disse que Mário foi o maior autor do modernismo e "Macunaíma", o maior livro.
Apesar da idade, Candido exibiu vitalidade e disposição. Comentou que a receita eram "bons genes". Queixou-se somente do cansaço por viajar de carro. "Essa viagem a Paraty me ensinou meu limite: não posso mais viajar de automóvel. "

Trechos da entrevista.

Participação na Flip
Considero minha vida intelectual completamente encerrada. Sou um sobrevivente. Não dou entrevista, não dou curso, não publico mais nada. Mas fui muito amigo de Oswald de Andrade.
Escrevi uns artigos de que ele não gostou, ele desceu a lenha em mim, ele era terrível, me chamou de mineiro malandro. Mas não me deixei alterar, vi que tinha sido um pouco injusto nos artigos e fiz um ensaio sobre Oswald, que ele gostou, e ficamos muito amigos.

Oswald
Oswaldo era único. Era um tipo curiosíssimo, muito irregular. Uma obra cheia de altos e baixos. Tem momentos de genialidade e momentos muito ruins. Ele era uma força da natureza.
Oswald era um homem que tinha traços de gênio. Ele não lia muito, mas o que ele "pegava" era extraordinário.

"Me perguntam, "professor, qual é o seu e-mail?".
Não sei o que é isso.
Comigo não adianta perguntar coisa moderna,
eu sou um homem do passado.
Sou encalhado no passado."




Literatura contemporânea
[Acompanha a produção atual?] Nada. Eu inclusive doei grande parte da minha biblioteca, já doei 12 ou 14 mil volumes. Eu tô completamente fora do mundo literário, não sei nem quem são os autores atuais. Eu saio perdendo, evidentemente.
Há cerca de 20 anos eu não leio coisa nova nenhuma do Brasil ou do estrangeiro.
Eu leio coisas do passado, sobretudo como Dostoiévski, Tolstói, Proust, Machado de Assis, Eça de Queiroz.

Crítica literária brasileira
O Brasil sempre foi um país de boa crítica literária. Eu tive uma sorte extraordinária porque fui crítico literário num tempo de esplendor da literatura brasileira.
[A atual crítica então não corre riscos?] Nenhum. A crítica universitária acadêmica é uma atividade extremamente segura, não tem risco. Os rapazes fazem tese sobre Machado de Assis, Jorge Amado, José Lins do Rego, Clarice Lispector. A pessoa pegar o livro e dizer "esse é bom, esse é ruim", isso acabou.

Política
Não estou aqui para falar de política nem do PT. [em tom bem-humorado] O senhor não me provoque, que eu não cedo. Sou Candido, mas não cedo a provocações.

Livro digital
Isso é um mundo fechado para mim. Eu escrevo ainda em máquina de escrever. Me perguntam, "professor, qual é o seu e-mail?". Não sei o que é isso. Comigo não adianta perguntar coisa moderna, eu sou um homem do passado. Sou encalhado no passado.

Receita da longevidade
[Existe uma receita para se estar tão bem nessa idade?] Existe: bons genes. Mas essa viagem me cansou muito. Essa viagem a Paraty me ensinou meu limite: não posso mais viajar de automóvel.
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Reportagem por FABIO VICTORGABRIELA LONGMAN ENVIADOS ESPECIAIS A PARATY

Fonte: Folha online, 07/07/2011

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