Entrevista com Brigitte Thalhammer
Brigitte Thalhammer não é uma freira dos livros ilustrados infantis. Ela não usa um hábito religioso com o famoso véu, mas práticas calças de linho prático e uma camiseta cinza. Sobre a sua mesa, vemos discurso inédito de Jean Ziegler [ex-professor de sociologia da Universidade de Genebra], que ele pronunciaria no Festival de Salzburgo. A religiosa da Congregação das Irmãs do Divino Salvador, nos mostra o seu quarto dizendo: "Eis a minha cela".
Ela encontra muitos estímulos na Pfarrer-Initiative. Ela também considera repugnantes alguns desdobramentos na Igreja Católica. "São coisas que me incomodam muito", diz Thalhammer. Ela não entende o fato de ser negado às mulheres na Igreja Católica o acesso ao ministério ordenado afirmando-se que "assim foi estabelecido pelo Senhor Jesus". Nesta entrevista, ela explica por que não considera necessário o celibato para os padres, mas rejeita para as religiosas "relações sexuais com um homem ou uma mulher".
Brigitte Thalhammer, nascida em 1965, em Bad Ischl, entrou na Congregação das Irmãs do Divino Salvador em 1996. É conselheira administrativa do hospital St. Josefspital, em Hietzing, Viena. Estudou economia empresarial e depois trabalhou em uma agência de viagens. Sua vida religiosa começou com o compromisso em uma paróquia. Como superiora provincial, leva "a responsabilidade geral por tudo ", que vai da atenção a cada irmã individual à responsabilidade por todos os problemas de direção e de finanças.
Eis a entrevista.
Há falta de padres. Há também falta de freiras?
Sim, é claro. Embora a palavra "freira" [monja] diga respeito apenas às chamadas comunidades monásticas, isto é, aquelas congregações cujos membros levam a sua vida na clausura do mosteiro. Mas também temos uma falta de religiosas.
Por que existe essa falta?
Há muitas razões. Uma delas é que a imagem que as pessoas têm da vida religiosa é muitas vezes bastante estranha. Não consegue transmitir a ideia de que ela pode ser uma forma de vida. Muitas também se perguntam por que devem fazer parte dessa Igreja que se torna cada vez mais problemática. E, enfim, a questão Deus também não é mais tão evidente. No fundo, estão em crise todos os vínculos que comprometem para toda a vida, inclusive o casamento. Muitos não querem se decidir a entrar na incerteza de uma vida por toda a vida.
Quantas jovens entram anualmente na sua congregação?
Seria bom se todos os anos viesse uma. Mas não é assim. Atualmente, há duas irmãs no noviciado, ou seja, o tempo antes da profissão definitiva.
Por que na nossa sociedade em geral as pessoas querem menos vínculos?
Há muitas possibilidades de escolha. Antes, tudo era previsto de uma maneira mais rígida e precisa. Essa mudança radical se estende a todos os âmbitos da vida: ao trabalho, ao lugar de residência, ao companheiro ou companheira de vida. A questão é: como pode permanecer coerente uma decisão de vida em uma sociedade plural em contínua transformação?
Quando a última religiosa entrou na sua congregação?
Nos últimos cinco anos, houve duas aspirantes. Uma foi embora por sua própria vontade. Para a outra, nós dissemos que não conseguíamos imaginá-la como religiosa...
"Quem não sabe viver sozinha
não sabe entrar em relação. Isso vale para
as relações a dois, mas também para
as comunidades religiosas."
A que condições é preciso responder para poder viver com vocês?
A primeira é um desejo ardente de Deus e da vida. Depois, há as diretrizes do Direito Canônico: por exemplo, não deve ser casada. E uma coisa importante é que aquelas que querem vir até nós devem ter vivido antes de forma autônoma, sozinha. Quem não sabe viver sozinha não sabe entrar em relação. Isso vale para as relações a dois, mas também para as comunidades religiosas. É preciso ser capaz de viver em uma comunidade com coirmãs que não escolhemos e que também são muito diferentes.
O que devem compartilhar na vida cotidiana?
Pode-se imaginar, à primeira vista, como uma comunidade residencial. Compartilhamos coisas práticas como a cozinha, o banheiro, o carro e também vivemos em comunhão de bens. Fundamental é o centro comum, que para nós é Jesus, o salvador, o redentor. A partir dessa relação com Deus, organizamos a nossa vida pessoal e a nossa vida comum.
Você disse que há cada vez menos irmãs...
Eu prefiro a expressão "mulheres religiosas", senão pensamos na nossa irmã mais nova... Há muito tempo já não pensamos que as irmãs são mulheres.
Pois bem. Então, você disse que há cada vez menos religiosas, porque a pergunta que surge é se podemos seguir em frente com essa Igreja. Falemos da Iniciativa da Desobediência. O que pode ser apreendido a partir dela?
Para mim é emocionante como essa palavra "desobediência" teve sucesso. Os pedidos que são expressos, de fato, são velhos. São repetidamente repropostos e, evidentemente, por um bom motivo. Já existem soluções para divorciados em segunda união, para padres que têm uma família. Essas soluções são apresentadas pela Igreja de maneira não oficial, mas são contrárias à orientação de fundo. Eu entendo que não se queira romper as defesas. Mas não é pedir muito das pessoas o fato de ter que expressar na indissolubilidade do casamento a indissolubilidade e a natureza absoluta da relação de Deus conosco, seres humanos? Não entendo por que a Igreja, no caso de uma separação, não pode dizer oficialmente que a misericórdia de Deus é ainda maior.
Você também foi assistente de pastoral. Para você, é um desejo que você e outras mulheres possam receber a ordenação sacerdotal?
Sim, Se se dissesse que a rejeição das mulheres como sacerdotisas está fundamentada no fato de que é difícil romper com uma longa tradição, então eu poderia aceitar! Se fosse essa a motivação, eu diria, então, que devemos começar a ver como podemos nos mover para que as coisas possam mudar. Mas se me é dito: "Assim foi instituído por Jesus, porque ele chamou apenas homens do sexo masculino", então eu fico indignada.
Você também vê mulheres chamadas ao sacerdócio.
Sim, isso não depende do gênero. Se a argumentação é "histórica", então todos os padres católicos deveriam se tornar judeus e casados.
Muitas pessoas se perguntam por que as mulheres são ativas na Igreja Católica dominada por homens.
Há coisas que me deixam com raiva, mas eu não me deixo que isso me afaste da minha igreja. Nesta Igreja, há muitos homens e muitas mulheres muito comprometidos – eu devo muito a alguns deles – e quero viver e poder oferecer isso a outros. Nisso, sou grata a uma tradição muito rica e profunda, segundo a qual Jesus quer ajudar as pessoas a alcançar uma liberdade que não é fácil de suportar. Eu penso na história do Grande Inquisidor de Dostoiévski, nos Irmãos Karamozov. Ninguém está imune à tentação de tomar tudo nas mãos e se tornar escravo do poder – e isso, naturalmente, é um tema presente também na Igreja.
Você apoia a Iniciativa da Desobediência [Pfarrer-Initiative ou Iniciativa dos Párocos]?
Posso compreendê-la muito bem e também compartilhar os seus conteúdos. É pesado ver o modo pelo qual esse debate é levado adiante publicamente, mas internamento eu o considero muito importante. O melhor seria que os conflitos fossem definidos diretamente.
A Iniciativa da Desobediência pode chegar a algum resultado?
Tenho minhas dúvidas. Os moinhos moem lentamente. Todos estão, mais uma vez, conscientes da urgência, inclusive os membros da hierarquia. Mas parece justamente que estes também se encontram perante um dilema.
"Mas quando eu entro em uma congregação,
renuncio conscientemente a relações exclusivas,
especificamente a relações sexuais
com um homem ou com uma mulher.
Essa é uma vocação a uma forma de vida
que para muitos é incompreensível,
mas que existe evidentemente – e na qual
é possível viver muito bem."
O número de pessoas que vão embora da Igreja aumenta, e a Igreja se pergunta, preocupada, o que pode fazer a respeito. Qual é a sua receita?
Eu acredito que é preciso se mostrar confiável e encontrar a linguagem e os modos para tornar compreensível também a entrega incondicional a Deus. É preciso uma ancoragem profunda e interior no mistério de Deus para que se possa engajar de forma credível pela dignidade de todo ser humano. Um modo para expressar isso poderia ser admitir os divorciados em segunda união à comunhão. Também seria credível se se pudesse dizer diretamente que existe o ministério da pregação dos leigos – e graças a Deus ele existe. Mas oficialmente não se pode. Ou também se prestaria um serviço à verdade e à sinceridade se a vocação ao ministério ordenado não fosse ligada à forma de vida celibatária. Muitos padres vivem a sua relação escondidos, o que não ajuda ninguém. Isso é aceito pela população. Eu venho de uma paróquia em que era oficial que o pároco tinha uma namorada.
As religiosas também devem poder ter relacionamentos? Não só com Deus, mas com homens e mulheres?
É claro que nós vivemos relações – o ser humano é um ser de relação. Mas quando eu entro em uma congregação, renuncio conscientemente a relações exclusivas, especificamente a relações sexuais com um homem ou com uma mulher. Essa é uma vocação a uma forma de vida que para muitos é incompreensível, mas que existe evidentemente – e na qual é possível viver muito bem. Outra coisa é unir a vocação sacerdotal com a vocação ao celibato. Em muitos padres, percebe-se que eles têm uma maravilhosa capacidade de se relacionar e muitas vezes são muito estimados pelo povo, transmitindo com toda a sua vida o fato de serem de Deus para nós, seres humanos – mas não foram feitos para uma vida celibatária. Seria melhor que pudessem se casar e permanecer como padres. Colocariam muitas coisas em movimento.
A Igreja ainda é relevante hoje?
Na Igreja, há partes, estruturas que não são oportunas. E igualmente, na Igreja, existem pessoas, projetos que estão à frente do tempo.
O que, por exemplo?
Sempre houve, por parte da Igreja, projetos "pioneiros". Por exemplo, a paróquia de Schwechat está muito comprometida no trabalho com os refugiados. Mostram que é possível viver juntos. Na nossa congregação das salvatorianas, retomamos há muito tempo a questão do tráfico de seres humanos.
O que você diria se um partido como o ÖVP (Österreichische Volkspartei) aderisse à bandeira cristão-social?
Eu nunca entendi por que o partido ÖVP deve ser mais próximo do cristianismo do que qualquer outro partido. Estou me enfiando em um atoleiro, mas algo que vem dos socialistas e algo que vem dos verdes é absolutamente mais próximo ao cristianismo. Uma vez, eu compilei os módulos propostos pelo site Wahlkabine.at [site para ajudar a orientação política] e, para a minha surpresa, acabei com os comunistas. É interessante como, a partir de concepções de vida e convicções de fé fundamentalmente diferentes, podemos chegar a demandas comuns. Mas eu não me deixei influenciar por esse resultado na minha decisão sobre o voto.
Quais são os deveres das salvatorianas? Como é o seu dia a dia?
Segundo a tradição, as religiosas se ocupam principalmente do cuidado dos doentes e da educação. Esses são os âmbitos tradicionais das religiosas. Desde a nossa fundação, fomos além. Tratamos de anunciar Jesus como redentor do mundo com todos os meios que o amor nos inspira. A partir disso, temos uma tarefa muito grande. Hoje, as religiosas trabalham nos mais diversos âmbitos – por exemplo, na pastoral, na formação dos adultos. Uma delas é artista.
Do que as religiosas vivem?
Do trabalho das suas próprias mãos. As que nos precederam construíram muitas coisas. Algumas irmãs têm uma pensão do Estado, se foram professoras. Quanto ao resto, somos responsáveis. Devemos cuidar para que aquilo que economizamos e construímos seja também suficiente para a velhice e para as nossas tarefas aqui na Áustria e no mundo.
Uma religiosa como vocês recebe um salário mensal?
Temos a comunhão de bens. Isso significa que todos os salários vão para uma mesma conta. Algumas recebem uma espécie de "mesada", e o resto é posto à disposição. Outras fazem um orçamento. No início do ano, eu tenho que ver aquilo de que eu preciso, quais gastos importantes terei que fazer: quanto eu preciso para as férias, para os cursos, para os óculos novos... O orçamento é discutido na comunidade, e então recebemos esse dinheiro por um ano, com o qual temos que nos virar. Se há imprevistos, há um suplemento.
Você é a superiora provincial das salvatorianas. Como isso se deu?
Fui eleita. É um processo altamente democrático. Até na Igreja! Antes que eu possa ser escolhida superiora provincial, devem ser escolhidas as delegadas para o capítulo provincial. Todas as 91 irmãs salvatorianas da província da Áustria são envolvidas na escolha. Todas também são envolvidas na elaboração da proposta de três nomes, que é confirmada pela direção mundial da nossa comunidade, em Roma. Depois, as delegadas do capítulo provincial escolhem entre os três nomes indicados.
Quantos anos você tinha quando se tornou freira?
Quando eu entrei na congregação eu tinha 31 anos. A decisão de me tornar religiosa amadureceu lentamente. Não cresci em uma família religiosa. A percepção de Deus cresceu em mim. Isso me tocou e se tornou cada vez mais central na minha vida. Em um curso sobre acompanhamento espiritual, eu conheci alguns padres e religiosos, e constatei que eram pessoas muito animadas. Então, fiz a pergunta se a vida em uma congregação também poderia ser uma forma de vida para mim. Assim, cheguei à decisão de que gostaria de viver e moldar as minhas relações com as pessoas e com Deus nessa forma de vida.
------------------------------Fonte: http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/12/2011
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